Infame

Mãos que Coletam: a Beleza Está nos Olhos de quem a Reconhece

"O trabalho da coleta seletiva é extremamente braçal. Quando eles estão na rua, certamente há pessoas que os julgam. No entanto, é um trabalho que poucos têm coragem de fazer, apesar da importância para o meio ambiente e para a sociedade em geral. Eu fiz essa série para descobrir como era a rotina dessas pessoas que fazem um trabalho tão fundamental, ao mesmo tempo não reconhecido da forma como deveria ser".

Por Paula Mariane |  17 de fevereiro de 2018

Conversamos novamente com a fotógrafa Paula Mariane, que esteve na Cooperativa de Reciclagem Coopervot, em Votorantim – SP sua cidade, e lá realizou o ensaio “Mãos que Coletam”.

1) O que mais te inspirou pra fazer essa série?

O trabalho da coleta seletiva é extremamente braçal. Quando eles estão na rua, certamente há pessoas que os julgam. No entanto, é um trabalho que poucos têm coragem de fazer, apesar da importância para o meio ambiente e para a sociedade em geral. Eu fiz essa série para descobrir como era a rotina dessas pessoas que fazem um trabalho tão fundamental, ao mesmo tempo não reconhecido da forma como deveria ser.

2) Na primeira série sua que publicamos no Infame o tema foi o exército brasileiro e, neste ensaio, você mudou totalmente de assunto. Qual reação você busca causar? E o que ela difere em relação ao ensaio anterior?

Durante a minha trajetória enquanto fotógrafa, sempre fui ligada às questões sociais. Sempre gostei de ouvir as pessoas, contar histórias, e principalmente, dar visibilidade àqueles que estão diariamente em nossas vidas. No entanto, desde 2016 tenho me dedicado ao meu primeiro projeto de longa duração, o Laços de Honra, que retrata a formação do militar do Exército Brasileiro.

Eu continuo falando sobre trabalho, mas são trabalhos muito diferentes, apesar da grande importância de ambos. A diferença está nos olhos de quem vê. Coletar e reaproveitar materiais – que anteriormente iriam para um aterro sanitário e causariam grandes danos ao meio ambiente – é tão importante quanto defender as fronteiras do nosso país. Reconheço o valor de cada um, mas os salários continuam diferentes, infelizmente. Não mudei tanto de assunto… eu acho (risos). Eu continuo retratando as condições de trabalho, as missões e valores de cada um, bem como a rotina deles. O que me entristece é ver tantas profissões importantes ganhando tão pouco. Essa é a minha reação. Isso também serve para os professores, por exemplo.

3) Como foi a reação e relação que você estabeleceu com as pessoas  fotografadas?

Bom, eles não estão acostumados a serem fotografados. No começo, acharam um pouco estranho, perguntaram o motivo de estar ali, e eu disse “eu quero conhecer vocês”. E de fato eu queria, mesmo. O tempo foi passando, e alguns conversavam comigo, me perguntavam se eu estava bem, se eu precisava de alguma coisa. Eu respondi que sim, estava tudo bem.

No geral, eles foram receptivos, mas não interferi no trabalho deles. Tinha muito trabalho a ser feito e eu não queria atrapalhar. Então, enquanto eles trabalhavam, eu fazia a minha parte como fotógrafa: ouvia, observava e documentava. Cada um na sua.

4) Nessa relação com o ambiente e, principalmente, com as pessoas, o que mais te chamou atenção?

A idade das pessoas. Há idosos trabalhando lá, pessoas que já poderiam estar aposentadas. Apesar da idade, eles continuam lá, trabalhando em um sol de 40ºC. Eles coletam 150 toneladas por mês, e a equipe tem cerca de 10 pessoas. Consegue imaginar o trabalho que isso dá? Então, eles estão lá fazendo isso, faça sol ou faça chuva.

5) Existe alguma relação entre a sua trajetória e o que você descobriu no contato com essas pessoas?

Sim, há muita relação. Eu vejo a minha própria história, a história da minha família. Venho de família humilde, sou a primeira pessoa da família que está se formando no ensino superior. A gente não tem muitos bens materiais, mas somos e fazemos muito. Se alguém na minha família passa por dificuldades, nos unimos e superamos isso juntos. Todas essas experiências me ajudaram a desenvolver compaixão e curiosidade. Para coletar mais de 150 toneladas, você precisa trabalhar em equipe. Ninguém consegue grandes resultados sozinho, a coletividade é essencial. Foi isso que eu aprendi.

6) Pensando no propósito do Infame, quais seriam, no seu ponto de vista, os principais aspectos que fazem desse ambiente e dessas pessoas desconhecidos tenham beleza?

Eles não estão esperando que alguém os entreviste. Eles estão fazendo um trabalho duro, que muitos não querem fazer. São fiéis e são importantes à sociedade. Essa é a beleza. A beleza está nos olhos de quem os reconhece, e espero que isso dê mais visibilidade ao trabalho deles.

Clique aqui para ver o ensaio anterior.

Paula Mariane

Paula Mariane

Paula é uma jovem fotógrafa que começou a fotografar antes mesmo de ter condições de ter uma máquina. Hoje é a primeira fotógrafa a trabalhar dentro do Exército Brasileiro.