Infame

Lá De Dentro do Puerpério

"Não são apenas as marcas do parto que nos acompanham no pós-parto, pois, passados alguns dias vem outra novidade: a descida do leite e com ela podem surgir febre, calafrios, pesadelos, seios inchados, duros e doloridos. O bebê estranha o volume de leite e chora. Faz a pega errada e fere seus mamilos. Você cheira leite azedo o tempo todo. E ao mesmo tempo em que se encanta com aquele pequenino ser nos braços a privação de sono e todos os demais aborrecimentos te fazem ir para um lugar estranho, agitado e turvo".

Por Thais Helena Hannuch |  30 de agosto de 2018

Minha querida amiga,

Você vai partir para o Velho Continente, em breve, e, antecipadamente, já não estou sabendo lidar com a ausência imposta pela distância.

A distância física não permitirá que eu esteja com você, quando chegar o momento de parir esse bebê tão querido e já amado, por isso, sofro desde já.

Não vou poder pegar esse pequenino(a) no colo logo que nascer e sentir seu cheirinho (você verá, os recém-nascidos tem um cheiro arrebatador), não vou poder te ajudar a niná-lo(a) e nem tampouco ficar com ele(a) alguns minutos para que você tome um bom banho.

Você irá se apaixonar por essa criaturazinha frágil e pequenina e poderá, a partir do dia do aniversário dele(a), construir a mais linda e intensa história de amor da sua vida. Um amor forte, grande, natural e desafiador. Que te inspira a ser uma mulher melhor, a lutar por um mundo mais justo, a querer ver o bem se propagar infinitamente por todos os cantos. Um amor que tem corpo, cheiro, olhares e ao mesmo tempo transcende tudo que é palpável. A mais intensa e extensa experiência da sua vida, pode apostar.

Nem acredito que não estarei ao seu lado, para caminhar e te acompanhar (fisicamente), na aventura que é a maternidade. Já me causa angústia saber que devido à distância, não estarei presente quando precisar de uma mão que te puxe para fora do tsunami que é o puerpério.

Fico te imaginando primigesta, recém-parida, numa terra distante e pouco conhecida onde tudo é novo: a língua, o ar, a situação da vida, a mãe, o pai, o bebê.

Às vezes, a gente nem se dá conta, mas em momentos de grandes mudanças – como indiscutivelmente é o nascimento de um filho – ter por perto aquilo que nos é familiar é um alento e tanto. Ter nossa mãe ao nosso lado, uma vizinha simpática que te cumprimente no elevador, uma sopa quentinha com tempero de casa ou, simplesmente, saber que na padaria mais perto de casa terá pão de queijo pode ser o recurso que se necessita para ficar bem quando tudo parece fora do eixo.

Depois que o bebê nasce, enquanto a criança dorme tranquilamente no berço ou chora desesperada de fome, cólica, refluxo, a mãe vaza: vaza leite, vaza sangue que sobrou no útero, vaza água pelos olhos, transbordam sentimentos.

Esse vazar, amiga, é o desocupar o corpo que outrora estava mais que preenchido. E é esse vazamento que começa a desestabilizar a mulher no pós-parto.

A maternidade modifica o eixo! Veja: Há pouco tempo você ainda era uma só e inteira, com hormônios – um tanto alterados, verdade -, mas com algum controle sobre sua vida. Depois de parir (não importa a via) chega uma onda enorme, que te pega de surpresa e leva por correntezas de sentimentos nunca antes experimentados e muitas vezes inesperados.

Então, diante do bebê que saiu de nossas entranhas, passamos a sentir insegurança quanto ao momento e o futuro: vou dar conta disso? Onde foi que me meti? Como vou descobrir o que fazer com esse bebê? Minha vida nunca mais vai voltar ao normal?

Nesse tsunami do pós-parto nos perdemos diante das dúvidas, da “nova “responsabilidade, do lidar com algo tão frágil e dominar as tarefas decorrentes do parto. Como se não bastasse as dúvidas, nosso corpo dói. A incisão da cesárea não deixa dúvidas de que um processo longo de recuperação vem pela frente. Se o parto foi vaginal, não se engane, embora infinitamente menos doloroso do que o pós parto cirúrgico, fica a certeza de dias com incômodos nunca antes imaginados. Fica difícil pra sentar, pra ir ao banheiro fazer cocô.

Não são apenas as marcas do parto que nos acompanham no pós-parto, pois, passados alguns dias vem outra novidade: a descida do leite e com ela podem surgir febre, calafrios, pesadelos, seios inchados, duros e doloridos. O bebê estranha o volume de leite e chora. Faz a pega errada e fere seus mamilos. Você cheira leite azedo o tempo todo. E ao mesmo tempo em que se encanta com aquele pequenino ser nos braços a privação de sono e todos os demais aborrecimentos te fazem ir para um lugar estranho, agitado e turvo.

Tão turvo que ninguém (ou quase ninguém) te vê. O glamour dos dias passados, o barrigão exibido e a expectativa pela chegada do bebê dão lugar aos palpites infindáveis, às perguntas inadequadas, ao julgamento das suas atitudes, às dúvidas, à culpa. “Por que não dá logo uma mamadeira pra essa criança? Já dorme a noite toda? Se acostumar no colo nunca mais sai. Essa criança tem fome. Esse bebê está com cólica. Você precisa ser mais relaxada. Esse bebê está ‘chupetando’ seu peito. Ganhou peso? Coloca mais um casaquinho que tá frio”.

Quase ninguém pergunta como está você. Quase ninguém se lembra de te questionar sobre o que você precisa ou o que você acha. Você desaparece, de repente. Quase ninguém tem empatia para entender que naquele momento tão único e frágil você também é um misto entre uma mãe recém-nascida e uma mulher, não mãe, morta. No puerpério há luto. Luto mesmo, de verdade. Depois que a gente pari é que a gente se dá conta que aquela que fomos um dia acabou. Morreu. Ficou no passado. Para sempre. E é por isso, também, que é tão importante ser acarinhada, cuidada, escutada e levada pelas mãos por aqueles que nos querem bem, justamente, para que possamos cumprir nosso papel essencial de fazer sobreviver a nova vida que trouxemos ao mundo. Ouso dizer que o provérbio que diz que “é necessário uma aldeia inteira para educar uma criança” vem do sábio entendimento de que é preciso uma aldeia toda cuidando e apoiando uma mãe para que ela faça aquele nenenzinho vingar.

Durante muito tempo você será o meio para seu bebê: meio de viver e de se expressar. Ele se regula por você. É fisiológico. Aliás, durante alguns meses ele nem vai entender que ele não é você. Imagina? Para isso acontecer serão meses e meses vividos, até ele começar a engatinhar, pelo menos.

E aí, minha amiga, ninguém vai te ajudar a ficar bem. Ninguém! A não ser você mesma, o tempo e a vida!

A vida é forte e exigente. Para ela não há barreiras. Vocês vão sobreviver e vai ficar tudo bem de um jeito ou de outro. E se a vida é forte e exigente – vai cobrar que você se se desprenda de suas amarras (todas), se aceite e se perdoe – o tempo, esse velho matuto e sabido, vai se encarregar de ajeitar tudo o que surgir em lugares mais confortáveis. O tempo vai te ajudar a encontrar um caminho nos seus novos relacionamentos de mãe e parceira. O tempo apontará os rumos para que você e seu parceiro possam criar uma criança feliz e formar uma família com todos os dilemas, paradoxos e desentendimentos que um ser tão pequenino coloca na vida de um casal.

Vocês se redescobrirão como pais. E mesmo que haja momentos com falhas de comunicação, expectativas frustradas, hostilidades e um sentimento de incompreensão, com amor e paciência vocês se encontrarão novamente e sairão fortalecidos por enfrentarem, juntos, esse grande desafio.

Os novos tempos tomarão rumos nunca pensados e lá no horizonte despontarão novos caminhos a serem percorridos a passos largos!

Mais ou menos como cantou o Gilberto Gil, você precisará ficar a sós, apagar a luz, calar a voz, encontrar a paz e folgar os nós. E só assim, “de alma e corpo nus”, entregar-se como nunca, ao desconhecido, ao futuro e ao amor. Um amor tão grande que cabe tudo dentro dele. Cabe felicidade e tristeza, cabe prazer e dor, cabe orgulho e vergonha, cabe lágrima e sorriso, cabe muito encantamento, cabe o mundo todo.

E eu vou estar aqui para você, sempre. Estarei por perto ainda que do outro lado do oceano, acompanhando, rezando, trocando experiências e torcendo pra que você tenha sabedoria nesse novo momento da sua vida.

Com imenso amor, carinho e respeito.

Thais Helena Hannuch

Thais Helena Hannuch

Feminista, jornalista, casada com o Rafael e mãe do Benjamin e da Rosa. Formada pela PUC-SP em Comunicação Social/Jornalismo, atuou em veículos de grande imprensa como o portal iG e a revista Veja. Saiu das redações e passou a atuar no mundo corporativo, em agências de Relações Públicas nacionais e internacionais. Há 7 anos é empreendedora materna e está a frente de uma pequena empresa de comunicação, a Finestra Comunicação.