Infame

Adotar: Por quê? Para quê?

"A chegada de nossas filhas mudou minha vida, mas o processo de adoção me fez enxergar muitas coisas de outra forma. É importante desmistificar a ideia de que meu marido e eu somos anjos, que merecemos o céu por esse “ato”. De forma alguma nos sentimos assim, somos pai e mãe somente e é isso que queremos ser. Não nos tornamos deuses, nem ficamos melhores porque adotamos. Ficamos melhores porque somos humanos e quisemos assumir a responsabilidade emocional de ter filhos".

Por Valquíria Pereira  |  30 de agosto de 2018

Acho que o desejo de ser mãe nasceu comigo. Antes de me casar, o que fiz aos 33 anos, já buscava um meio de me tornar mãe, sem necessariamente procurar um pai. Quando me casei, num reencontro com meu primeiro namorado, decidimos que teríamos filhos – um adotado e um biológico. E assim começa nossa história com a adoção.

Fomos cuidando das duas coisas ao mesmo tempo, precisei ajudar a gravidez natural com tratamentos e demos entrada na Vara da Infância para a adoção. Meu marido já tinha filhos e todos ansiavam por mais, trocamos de casa, de carro, ampliamos nossos horizontes e seguimos a vida com esses desejos todos juntos.

Tudo correu de forma concomitante, mas desistimos da gravidez natural nesse percurso pelas frustrações e desgastes tão conhecidos por quem passa por diversos tratamentos para engravidar. Mas a adoção estava caminhando normalmente. Tivemos também percalços a percorrer, nada foi fácil, desde as entrevistas e avaliações no Fórum – por pessoas muito despreparadas para lidar com o outro – até pela ansiedade de ver o tempo passar e nada acontecer (avalio o Poder Judiciário como uma instituição falida no nosso país, pois para mim ninguém cuida da infância por aqui).

Mas o dia chega, mesmo que 3 anos e 3 meses depois. Minha insistência para saber a quantas andava nosso processo – ia semanalmente ao Fórum buscar respostas – nos levou a saber que a fila andava lentamente, mas andava. Soubemos das meninas (duas irmãs) dias antes do esperado telefonema, quando fui informada de que estavam prontas para a adoção. Meu marido e eu não éramos os primeiros da lista de espera, mas nos tornamos rapidamente quando aqueles acima de nós não estavam dispostos à adoção tardia e a menina mais velha tinha seis anos. Para nós não havia empecilho, não tínhamos colocado limites nem restrições, pois isso é possível nesse processo. Dessa forma, minhas duas pequenas chegaram a nós como um parto e toda a alegria que é ter filhos para quem os deseja.

Receber as duas meninas em nossa família, em nossa casa e tê-las conosco foi e é de uma felicidade que não se mede, que não cabe em palavras. Minhas filhas são meu coração fora do corpo, como dizem.

A chegada de nossas filhas mudou minha vida, mas o processo de adoção me fez enxergar muitas coisas de outra forma. É importante desmistificar a ideia de que meu marido e eu somos anjos, que merecemos o céu por esse “ato”. De forma alguma nos sentimos assim, somos pai e mãe somente e é isso que queremos ser. Não nos tornamos deuses, nem ficamos melhores porque adotamos. Ficamos melhores porque somos humanos e quisemos assumir a responsabilidade emocional de ter filhos.

Quem ganhou mais, elas ou nós, nos perguntam. Com certeza nós, que fizemos essa escolha, a escolha de ter filhos independentemente se vindos da minha ou de outra barriga. Se me falam que a adoção é um ato de coragem, eu respondo que ter filhos é um ato de coragem nesse mundo, assumir para si a educação e a formação de uma criança, mostrar o que valorizamos, como vimos o outro e o mundo, pelo que lutamos, como agimos.

As histórias de vida das crianças adotadas também assustam algumas pessoas – de onde vieram, por que vieram, por que foram abrigadas, como reagirão, como será quando se derem conta do que passaram, vão querer conhecer suas origens, vão sofrer, sofrem atualmente, terão memória… enfim, um mundo de perguntas. Sim, existe uma história por trás, que faz parte de sua vida, mas que é superada com amor, afeto, com cuidados, com um lar e uma família. Toda criança quer e precisa de amor, carinho, atenção, dedicação, saber que alguém se importa verdadeiramente com elas, que lhes dá valor, que as aceita, que confia nelas e estará sempre ali para enfrentar o que for aparecer pela frente. Juntos, lado a lado, de mãos dadas, um dando força para o outro. Isso é o que devemos a elas.

Quando acontece de termos filhos por escolha o sentimento de amor, de carinho, é grande demais, mesmo não tendo sentido o bebê mexer em minha barriga, não tendo visto o nascimento, não tendo amamentado, não tendo escolhido seus nomes, não estando lá nos primeiros passos, nas primeiras palavras. Não me sinto menos mãe por isso. Minhas filhas nasceram para mim com seis e dois anos e eu me tornei mãe de duas lindas meninas que, mesmo tendo quatro anos de diferença entre suas idades, chegaram juntas para mim.

Então, peço que não deixem as mulheres que não amamentaram se sentirem culpadas, achando que as crianças ficarão doentes, serão menos resistentes, e às agências de publicidade que parem de colocar somente mulheres grávidas nas campanhas para o dia das mães. Somos todas mães, de barriga ou não!

Valquíria Pereira

Valquíria Pereira

Valquíria Pereira é pedagoga em São Paulo.