De um vazio instável brota uma bolha de espaço e tempo – tão extraordinariamente energética que dá luz a um cosmo inteiro. Por que existe o ser e não o nada?, é a pergunta fundamental da metafísica. E daquele vazio primordial, ficou algum rastro? Aristóteles, fundador do pensamento lógico, já nos diria que não. A sua impossibilidade no raciocínio aristotélico esta na definição do filósofo sobre espaço: lugar onde o corpo está contido. “Se fosse como um lugar desprovido de corpo, quando há um vazio, para onde se deslocará um corpo que tenha sido introduzido nele? Não em todas as direções do vazio, certamente”. Também para o metódico Descartes não havia espaço para vácuos. Corpos são extensões: se nada houvesse entre eles, eles se encostariam.
Por outro lado e em outra época o filósofo Immanuel Kant colocou a questão do vazio, da ausência de qualquer coisa, lugar, ou existência, como falsa. Para este alemão o espaço, em eterno dueto com o tempo, é condição de possibilidade para qualquer experiência humana. Nós só podemos conhecer o mundo, os corpos e a existência das coisas através do fenômeno, isto é, ao posso que estes se revelem para nós. Para que nós possamos experimentá-los eles precisam, a priori, estar inseridos em tempo e espaço. De forma que para nós, meros humanos, seria inviável conhecer ou até mesmo imaginar o vazio.
Se para muitos a questão física cancela a possibilidade até filosófica do vazio, como abordar então sua sensação? O que é o vazio que rasga o seio humano? Para Søren Kierkegaard as emoções são direcionadas intencionalmente a algum objeto. Se eu sinto medo, amor ou até indiferença, é em relação a algo. O que dizer então da angústia, este desguarnecido azedume que parece brotar no peito do nada e sem direção? Para o filósofo dinamarquês seu objeto é precisamente o vazio. Ele metaforiza esta sensação com a imagem de um homem diante de um abismo. Ao mesmo tempo que teme a queda, o homem sente vontade de pular. Esta possibilidade de se jogar ou não, de continuar sendo ou de deixar de sê-lo, é denominado por Kierkegaard como “vertigem de liberdade”. O vazio que sentimos é a percepção de uma liberdade desenfreada.
Mais tarde Martin Heidegger levou o drama do encontro humano com seu vazio interior um pouco além, dando razão ao nosso medo de enfrentá-lo. “Nós temos vários motivos para esquivar-nos do significado de nossos encontros emocionais com o nada. Eles são premonições do nada da morte. Eles ecoam a falta de fundamento da existência humana”.
Já não tão distantes de nós os existencialistas franceses do século XX enxergaram no vazio a condição da existência humana, um sintoma do “reconhecimento do homem sobre sua solidão fundamental em um universo indiferente”. Para Jean-Paul Sartre, figura central deste movimento, há todavia dois caminhos, duas formas de se reagir ao imprescindível e recorrente encontro do homem com seu vazio e solidão. Em sua filosofia ele estabelece duas regiões do ser: Ser-em-si e Ser-para-si. A primeira é a mera existência das coisas em si mesmas, como uma pedra ou uma árvore. A segunda é a consciência. Para Sartre a consciência não é uma coisa (not a thing = NOTHING), mas uma experiência em curso, um contínuo tornar-se, “um vento soprando do nada para o mundo”. O homem, portanto, diferentemente das coisas em si, não possui uma essência, nada é antes de definir-se. E é precisamente este nada que dá lugar à liberdade, imaginação e atividade. Quando, por angústia, nos esquivamos do encontro com o vazio, quando inventamos desculpas para nós mesmos e aceitamos valores prontos e alheios, estamos renegando esta liberdade, estamos, como definiu o filósofo, agindo de má fé. Por outro lado, quando há o enfretamento dele e a aceitação da responsabilidade por parte do sujeito diante do seu vazio, vive-se uma vida autêntica e transcendental.
Como pensador que viveu o tempo de horror da segunda Guerra Mundial, Sartre conheceu as relativizações da liberdade humana. Ele, no entanto, nunca deixou de acreditar que a consciência humana é livre e distinta do universo físico em que habita. Para este francês nós não somos nunca livres da situação em que estamos inseridos, mas somos livres para negá-la, imaginá-la de outra forma e tentar mudá-la.