Em um mundo em que se precisa ter importância, ela em vez disso teima em se desaperceber. Ela se perde em pensamentos inimagináveis que a levam a sentimentos vários, alguns que lembram o passado, outros que são novos. Deixa os olhos parados a olhar a frente que nada vê, e respira fundo o vazio que pesa o peito. Para aquela dificuldade de abrir a caixa toráxica, ela chamou de vazio.
E por que não angústia? Porque na verdade lhe faltava coragem. Ela que sempre acreditou que poderia abrir os mais fundos e longos oceanos com a força de sua vontade. Resolveu, por falta de coragem, chamar a angústia de vazio, e assim o detestou. Buscava na bestialidade das atividades laborais que se repetem aliviar o suposto vazio. Marcava encontro com amigos e não amigos, com seres importantes e desimportantes, estes que sempre a faziam bocejar e olhar o relógio, ou apenas perder as horas em mais um copo daquele líquido que amenizava o peso de um diamante de 20 quilates que pairava eternamente naquele pescoço a queimar seu belo peito.
Um dia, retornando de seu trabalho, sozinha, sentiu o vazio completo. Quis preenchê-lo, mas não havia nenhum remédio conhecido ao alcance. Ela, que sempre fazia o mesmo caminho de volta para casa, esqueceu-se de deixar, talvez atrás de uma árvore ou uma pedra, um alívio momentâneo para aquele sentimento. Anda mais um quarteirão e, encrustada no muro, encontra uma linda porta azul com sobressalientes enfeites dourados. Quem a havia de ter colocado ali? Não parecia com nada ao redor.
Sozinha, entre a passagem de um carro e de outro, roda a maçaneta dourada. A porta estava aberta e lá dentro acontecia um baile. Contudo, caro leitor, não imagine você que fosse um baile organizado. Era um baile assustador, que fingia organização, porém reunia pessoas desconexas, bichos limpos e sujos, penas, aves, espelhos. Uns falavam altos, outros gritavam, o homem pequenino e careca ao fundo quase sussurrava uma prece. Ao andar pelo grande salão de espelhos, já confusa, já sem saber se estava acordada ou dormindo, dá de cara com um cabrito do tamanho de um cachorro, que parecia um demônio; leva um susto que a faz lembrar uma velha reza, e prossegue.
Parada ali sem saber se realidade ou ficção, percebe que conhece a todos. Desde os porcos que jogam xadrez, no mezanino, com seus óculos seguros em seus longos focinhos até as damas com cara de cavalo que riem tão alto que ela precisa tampar um pouco os ouvidos para passar por elas. O salão está tão cheio e tão confuso, que ela se volta para a porta. Volta-lhe a vontade de sair, retornar para aquele caminho conhecido, para o peso daquele velho diamante.
Suspira um longo suspiro. Volta a olhar ao redor do salão, e passa a reconhecer cada habitante, do diabo ao anjo nu que se dependura no candelabro. Ela sente um alívio e uma paz indescritível, como poucas vezes sentiu.
Amália puxa uma cadeira, senta-se com os porcos e chama o anjo para tomar um gole de xerez. Ali são todos, na realidade, não apenas conhecidos, mas amigos. E passa a não mais estranhar o caos, mas a gostar dele. Aquelas criaturas fantásticas eram ela, e foi assim que Amália descobriu como era cheio o vazio. E presenteou a dama com cara de cavalo com o lindo diamante que carregava no pescoço.