1. Conte-nos sobre a sua relação pessoal com a fotografia. Como nasceu esse interesse?
Já se foi o tempo que fotografar era só diversão. Hoje a minha fotografia carrega muita culpa. Culpa de não mostrar direito o que tem de ser mostrado, culpa de perder o momento perfeito, culpa de não estar fazendo o suficiente. Já não sonho mais com fotos, eu tenho pesadelos. Adicionei uma responsabilidade a isso. Decidi falar de assuntos que não aceitam superficialidade. Preciso estar envolvido, nada é raso e cada vez mais preciso me afundar nisso.
2. O que uma fotografia diz que outros formatos de comunicação são incapazes de dizer?
Os outros formatos são tão completos quanto a fotografia, mas o jeito de dizer torna a fotografia especial. A concentração do foco em um único momento, da ênfase para aquele momento. Nada mais importa, só isso está em discussão; só este momento vai ficar guardado. E o fato da fotografia não ter suportes de outros recursos como trilha sonora, por exemplo, a torna mais simples e pura. Algumas imagens jamais serão esquecidas. Fica ali na sua cabeça pronta para ser acessada. A narrativa de uma série fotográfica também tem uma coisa de deixar quem a vê e decidir os caminhos que aquilo vai criar. A condução da narrativa é mais orgânica e menos ditada por quem conta a história. Desta forma, quem vê fotografia tem uma simpatia, uma facilidade em desenvolver raciocínios em cima daquele momento.
3. Fale um pouco sobre a história da agência Angústia. Como vocês se reuniram, com quais objetivos e incentivados por quais incômodos?
Tudo começou com a angústia de não conseguir, de não botar os trabalhos na rua, de não desenvolver projetos e de ouvir muitos “nãos”. A gente percebeu que para “dar certo” na fotografia você precisava estar em certos grupos, ser amigo de certas pessoas. E percebemos o quanto isso mata o fotógrafo, quanto trabalho e talentos estão aí perdidos por conta desse grupinho? Tomamos a decisão de que nossa fotografia vai ser independente e protagonista. Quem decide o curso do trabalho é o fotografo, e a Angústia foi criada para dar suporte ao fotógrafo desenvolver seus trabalhos autorais.
4. Qual é a importância da fotografia autoral? O que perdemos quando nos rendemos a produções mecanizadas e sem preocupações de linguagem?
Eu sinto que na maioria das vezes as pessoas estão preocupadas em ganhar dinheiro e pagar as contas. Essa é a força que move os humanos. Quando você chega em um almoço de domingo com a família e conta que ganhou uma boa grana vendendo uma foto, certamente sua família vai ficar mais feliz e orgulhosa. Mas será que o mesmo acontece se, ao invés de ganhar dinheiro, você contar que uma pessoa ficou emocionada vendo essa mesma foto? Ninguém dá valor para a arte se ela não tiver valor financeiro. E quando falo “ninguém” eu me incluo também, esse é um conceito incrustado na nossa cultura. Por isso que o trabalho autoral é um ato de resistência. Quando ficamos só no valor financeiro os temas a serem fotografados ficam limitados a assuntos que trazem dinheiro para o bolso, e os que não trazem ficam aí perdidos e esquecidos. A simples emoção de se ver algo perde o significado.
5. Como você acha possível equilibrar esse desejo de produzir fotos que quebram paradigmas e ao mesmo tempo atender a determinadas exigências do mercado para que um fotógrafo possa sobreviver?
A gente viu como a única possibilidade criar caminhos novos. A fotografia é uma ferramenta muito tradicional, clássica e cheia de regras, mas a verdade é que foda-se isso, a fotografia sempre acompanhou a sociedade, sempre foi orgânica como ela e acredito que o caminho é criar novos caminhos. Se as portas se fecham para nós, não acho que temos que tentar arrombar essa porta. Temos que passar cimento e lacrá-la para sempre. Deixar quem se fechou lá dentro morrer com seus pensamentos, se esgotar com o tempo. E que a gente resista e não volte a tentar essa porta novamente. Se for para se formatar e se moldar para entrar em um grupo ou fazer dinheiro, temos que ter consciência de que a nossa autenticidade se perderá. Fácil não é, mas falo novamente: fotografar é um ato de resistência. Certamente alguém pode falar: tá, muito legal, mas preciso pagar minhas contas. E eu respondo: pagar as contas não é fotografar. Fotografe e pague as contas. Deixe isso bem separado porque definitivamente não são a mesma coisa.
6. Qual é o futuro da fotografia?
O futuro da fotografia continua o de sempre. Contar e registar momentos históricos, emocionar quem está fora ou dentro do assunto, encher o bolso dos mais ricos de dinheiro e dar a possibilidade de protagonismo para os mais pobres, ajudar a criar e acabar com guerras, ser uma ferramenta para os jovens contarem suas historias, ser uma ferramenta de memória para os mais velhos. E que a Angustia faça parte disso com uma presença realmente marcante e protagonista.