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Caos e Poesia: o novo filme de Rafael Kent

Em seu novo curta Waffle NYC, sobre a cena de dança de rua em Nova York, Rafael Kent estabelece uma conexão entre a cidade norte-americana, São Paulo e o Rio de Janeiro (pela trilha sonora de JXNV$). Aqui você acompanha também algumas fotos feitas pelo fotógrafo, diretor e filmaker durante as filmagens e uma entrevista que contextualiza a sua história e o seu trabalho.

Por Rafael Kent |  11 de abril de 2018

Conte-nos sobre você e a sua trajetória.

Muito louco quando você pensa sobre a famosa pergunta clichê “O que você quer ser quando crescer?”. Eu não sei se me lembro muito bem qual, ou quais, eram as minhas respostas, mas se tem uma que eu não imaginei até, mais ou menos, 27 anos de idade era de fotógrafo, filmmaker e diretor. Voltando ainda mais um pouco, tenho vagas lembranças quando criança sobre ficar amarradão vendo as fotos, mesmo sem saber ler, das enciclopédias que tínhamos em casa. Era nosso Google Imagens. Era uma viagem ao mundo dentro da sala da janta. Isso eu me lembro bem.

Você se considera autodidata?

Sim, eu sou um autodidata. Na fotografia, apesar de ter estudado na faculdade de design, acho que fiz apenas um workshop na vida. No quesito vídeo, acho que fiz apenas um workshop também. Tudo foi acontecendo naturalmente. Acho que os pontos foram se ligando sozinhos, tal como aquele famoso discurso do Steve Jobs em Stanford. As vivências, a educação, a minha querida Bahia, onde me criei, a minha visão de mundo, os bullyings sofridos quando criança/adolescente me deram bastante força de vontade pra de alguma maneira dar a “volta por cima”. As escolhas na faculdade – turismo (wtf?) e design gráfico – minhas gigs trabalhando com produção de banda, viagens sem fim (muitas vezes em carros, barcos e vans de qualidades bem duvidáveis) e, enfim, minha vida, me levaram até o dia em que comprei a primeira câmera. Os pontos foram se ligaram de uma maneira bem inesperada e estranha. E cá estou eu.

Como começou a se interessar por fotografia e direção de filmes?

No começo tudo era novidade, quase uma brincadeira. Poder fazer clipes de bandas que eu gostava era um sonho. Na verdade, fazer parte da carreira de alguém, contribuindo com meu trabalho, é realmente uma das coisas mais gratificantes do que eu faço. A publicidade veio na sequência. No Brasil, uma das poucas maneiras de se ter um set parecido com o cinema é, sem dúvida alguma, na publicidade e eu precisava viver isso também. Na verdade, eu sou um ser inquieto. Talvez a publicidade seja apenas uma transição para alguma outra coisa que eu não sei bem, apesar de sonhar em fazer cinema. Na publicidade aprendi bastante sobre hierarquia, quando se é autodidata e filmmaker isso não existe muito. Em muitos filmes só existia eu na “linha de produção” e aprender a lidar com toda uma cadeia de produção é um tanto angustiante. Aquela sensação de “perda de controle”, talvez? Não sei. Sei que venho aprendendo muitas e muitas coisas por conta da publicidade, umas que eu considero importantes e outras que eu prefiro nem citar. Mas, está sendo muito importante. Sempre é, né? Aprendizado nunca é demais.

O que aprendeu na publicidade que leva para os filmes autorais?

É engraçado você me perguntar sobre o que aprendi na publicidade que levo para os meus filmes autorais. Por conta de ter feito, praticamente por sete anos, somente coisa autorais, eu acho que o caminho é completamente o inverso. Eu que tento levar a minha visão autoral para dentro da publicidade. Claro, quando possível. Acho que a publicidade está passando por um momento difícil. Isso desestabiliza bastante coisa. Acho que a galera teve que aprender da pior maneira possível essa enxurrada de conteúdos jogados na web todos os dias. Sofro com isso também mas acho que a publicidade está sofrendo mais. Afinal, aquela sua idéia que está na gaveta mas que você sabe que é MUITO boa vai ser feita semana que vem se você não fizer. E cada ideia feita é menos uma ideia para ser feita. Sacou?

Qual é a sensação quando faz filmes autorais?

Às vezes, tudo que eu quero, na verdade, é poder pegar a minha câmera e fazer coisas minhas. Essa é a sensação de fazer coisas literalmente autorais. É a minha diversão, foi como aprendi, sabe? Mas sei que isso também tem um certo limite. Então, estou aprendendo a dividir as minhas coisas com pessoas muito legais. Pessoas que agregam. Mas, respondendo a sua pergunta, realizar alguma coisa é sempre muito incrível. Não dá para descrever muito quando eu vejo uma imagem dando certo. Se construindo. Ganhando forma. Acho que é aquela parada, né? Não é trabalho, não pode ser trabalho. É paixão. Manja? O dia que virar trabalho, está errado.

Desde quando você começou a se interessar por filmar em NYC?  

Conheci NYC em 2013, com o Tiago Iorc, em uma turnê que ele fez pela América e me chamou pra acompanhá-lo. Na época, a vontade dele era que a gente voltasse com um clipe e algumas fotos. Acabamos voltando com 4 clipes e uma tonelada de fotos. Acho que não se trata de NYC, mas sim de sair do seu ambiente. Perceber as coisas de outra maneira. Tudo é novo, saca? Eu não lembro quem me disse isso uma vez, mas eu sigo pra vida: viajar é que nem você voltar a ser uma criança, é tudo novo, sua cabeça começa a absorver tudo em todas as esferas. Texturas, luz, cores, ambientes, arquitetura, línguas novas e etc. Isso estimula muito a minha cabeça e como para mim basta ter uma câmera na mão imagina como é, né? É bem difícil me controlar.

Quais momentos, cenas, sensações mais te inspiram nessa cidade?

NYC tem tudo isso que eu acabei de mencionar e tem uma coisa muito louca também: história. É uma cidade muito antiga. Tudo com muita personalidade. Texturas lindas, becos, vielas, avenidas, cores e arte. Arte para todos os lados. É definitivamente um ser vivo. A gente sempre compara NYC com São Paulo. De fato, existe uma semelhança muito grande mas tem um fator que faz toda diferença. Não se tem MEDO. O medo tira muita coisa da gente especialmente a percepção dos lugares e das pessoas. Acho que se o Brasil fosse um país com menos violência a arte iria aflorar muito mais em cada canto da cidade. Acho que eles lá vivem mais. Parece até que se tem mais tempo, inclusive.

Depois do Litefeet, como veio a ideia de filmar o Waffle NYC?

O Litefeet foi uma coisa que aconteceu. Graças a Deus. Foi uma experiência muito incrível. Já o Waffle NYC foi, de certa maneira, premeditado. Na época que fiz o documentário eu não conhecia muito dessa cena. Filmei menos do que gostaria, não tive muito tempo na verdade, e voltei para SP querendo mais. Quando o filme saiu comecei a perceber a galera que curtiu o filme nas redes. Fui atrás de cada like dado para saber quem eram essas pessoas. Foi muito legal conhecer uma cultura nova sob outro prisma. Numa dessas “pesquisas” conheci o Joel, que é o fundador do Waffle NYC, e o adicionei no Facebook. Na verdade, adicionei muita gente que comecei a conhecer através do próprio Joel. Assim fui conhecendo ainda mais o que era o Waffle.

Conte um pouco sobre os bastidores deste segundo filme por lá.

Passei dois anos conversando com ele e dizendo que gostaria de voltar lá e filmar alguma coisa com eles, mas a publicidade não me deixava. Até que, em 2017, eu decidi tirar umas férias (com a câmera na mão, pois eu nunca tenho férias rs) e me joguei em NYC sem nada marcado. Eu já sabia algumas coisas que eu gostaria de filmar e conhecer e uma delas era o Waffle. Passei dias atrás do Joel e um dia rolou. Passei uns 3 dias com eles andando e conhecendo ainda mais gente. O último dia que a gente se viu foi no dia do rooftop. Esse dia está registrado nesse filme que vocês estão mostrando por aqui. Depois de ter um edit, enviei um Inbox no Instagram pro JXNV$ – RJ (soundcloud.com/jxnvs) e perguntei se ele estava a fim de mandar um beat pro filme. Topou. Na sequência, uma ligação pro Bruno Zampoli, perguntando se animava fazer a direção arte. Fechado. Uma mensagem rápida pro QuietCityMusic pra mixar e afinar o sound design. Dentro. No fim, o caos virou o filme/clipe, juntou NYC, Rio de Janeiro e São Paulo em pouco tempo, com pouco recurso, mas com uma história real. Posso dizer que o WAFFLE NYC é um organismo vivo. Que tem uma raiz forte. Um ser independente. Que é rua, moda, música ao mesmo tempo. ELE É VORAZ. Muito obrigado pelo espaço. Um prazer estrear no Infame mostrando um pouco dos amigos que fiz e do que fazem deles pessoas incríveis.

Para saber mais sobre o Waffle NYC:

FACEBOOK – facebook.com/WaffleNYC/
INSTAGRAM – instagram.com/wafflenyc/
YOUTUBE – youtube.com/TheWAFFLELIFE

 

Rafael Kent

Rafael Kent

Rafael Kent é fotógrafo e diretor/editor de filmes. Para mais informações sobre seu trabalho, conheça seu site pessoal e a Corazon Filmes.