Infame

Quando Crescer Quero Ser Introvertida

“Ela é esperta, mas ela parece introvertida...”. Quando minha chefe acabou de ler essas palavras tiradas da seção “fraquezas” da minha avaliação de performance, eu me senti incomodada. O documento dizia “falar mais” e sugeria que, para eu conseguir uma promoção, eu deveria verbalizar meus pensamentos e ideias em todos os tipos de reunião.

Por Stephania Silveira Hines |  26 de março de 2018

“Ela é esperta, mas ela parece introvertida…”.

Quando minha chefe acabou de ler essas palavras tiradas da seção “fraquezas” da minha avaliação de performance, eu me senti incomodada. O documento dizia “falar mais” e sugeria que, para eu conseguir uma promoção, eu deveria verbalizar meus pensamentos e ideias em todos os tipos de reunião.

Espera um pouco. Isso está confuso.

Eu sou introvertida?

Até mudar para os Estados Unidos, nunca parei para me classificar dessa forma.

Mas ao pensar no assunto, admito haver momentos em que me comporto dessa maneira. Acredito que esse silêncio e isolamento geram brilhantismo. E que escritórios com baias abertas são ineficientes porque não acho que as pessoas podem ser criativamente estimuladas ao ouvir seus colegas gritar no telefone com atendentes do seu plano de saúde.

Na maior parte do tempo, porém, acho que sou uma pessoa extrovertida. Nunca fico tímida ao conhecer alguém e também amo uma conversa fiada. Coloque-me na fila de um banco e 10 minutos depois estarei mostrando fotos da minha família para uma senhorinha desconhecida.

Acima de tudo, por que meu chefe está me dizendo tudo isso, como se ser extrovertida fosse um tipo de condição patológica?

Eu poderia reclamar sem parar sobre os problemas que tenho para me ajustar à cultura dos Estados Unidos – como ela enaltece alguém pelo quão alto ela defende suas ideias e não pela qualidade do seu pensamento.

Mas ao invés disso, decidi refletir sobre quem eu realmente quero me tornar, e não ser influenciada por uma empresa que diz em suas conferências querer diversificar seu departamento criativo quando, na prática, eles exigem que todos se comportem de um certo jeito.

Percebi que a maioria das pessoas que admiro são introvertidas.

Meu chefe preferido de todos os tempos era um cara quietinho do norte da Inglaterra. Ele sabia como colocar em prática o princípio britânico de “se você não tem nada a dizer, é melhor não dizer nada”. Sempre senti muita inveja do seu autocontrole verbal. Ele podia ouvir às merdas ditas pelo cliente por horas e nunca contra-atacar. Ele prestava atenção àquilo que diziam cuidadosamente, pensava um pouco, e em seguida soltava a mais trabalhada e pungente resposta, não deixando espaço para mais comentários estúpidos.

Ou às vezes ele ficava terrivelmente confortável com seu silêncio. Sempre esperei pelo momento na minha vida no qual não mais precisaria pensar em algo inteligente a dizer para provar que sou esperta, a um grupo de homens brancos usando blazer e tênis.

E eu não teria me convertido ao feminismo se não fosse pelo discurso da Emma Watson’s nas Nações Unidas, quando pediu o apoio de homens para começar um movimento pelos direitos das mulheres. Havia algo na sua voz trêmula durante aquela fala que a fez soar tão honesta e real. Algo que veio do coração. Aquilo jamais teria o mesmo impacto em mim se tivesse sido dito por uma celebridade super confiante.

Além disso, o meu top 5 (a lista de homens com quem meu marido entenderia completamente se eu passasse uma noite) inclui Orlando do Maccabees, Hayden Thorpe dos Wild Beasts e Alex Turner do Arctic Monkeys. E não por eles lembrarem algum deus grego ou ídolo da minha adolescência, mas porque somente pessoas muito introvertidas podem observar seres humanos de forma tão profunda a ponto de escrever letras tão poéticas como os três. E para isso, isso é muito sexy.

Cheguei à conclusão que não apenas nunca fui capaz de me comportar da forma que eles queriam, mas que eu realmente não queria fazê-lo.

Não queria ser a diretora criativa cheia de si que fala como se tivesse constantemente num programa de stand-up comedy. Ou aquela que lê manifestos como se fossem um verso de Shakespeare. Ou aquela outra que está mais preocupada em entreter o cliente com piadas bobas do que vender seu trabalho. Essas são pessoas que costumo ver no topo das corporações por aqui.

Então ao invés de decidir voltar para o trabalho como a versão mais extrovertida de mim para impressionar meu chefe e ser promovida, decidi largar meu emprego.

Decidi trabalhar na pessoa de fala mansa que quero me tornar. Contratei um coach de voz que me ensinou a conectar minha voz aos meus pensamentos e me ajudou a me comunicar não como uma introvertida ou extrovertida, mas como eu mesma.

E fui achar um trabalho em que meus colegas estão menos preocupados em rotular as pessoas e mais preocupados em estimular as diferenças que nos torna humanos.

 

 

Stephania Silveira Hines

Stephania Silveira Hines

Stephania Silveira Hines é redatora publicitária e de conteúdo. Sua eterna insatisfação e curiosidade faz com que arrume as malas a cada 3 anos em média. Nascida em Fortaleza, mudou-se para São Paulo aos 16 anos e depois partiu para Londres e, em seguida, Paris. No momento reside em Los Angeles. Diversidade cultural e os desafios de morar fora do Brasil são os motivos das muitas crises existências que ela frequentemente transforma em artigos e publicações.