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Lambe Sujos Vs. Caboclinhos: Herança Cultural Sergipana

"O Lambe-Sujos x Caboclinhos, mais conhecido como “Lambe-Sujo” é um manifestação cultural que acontece todo segundo domingo de outubro no município de Laranjeiras, a 20km de Aracaju, capital de Sergipe. Considerada uma das maiores manifestações culturais do Brasil, esse teatro a céu aberto representa a luta entre escravos negros dos quilombos (lambe-sujos) e os índios (os caboclinhos), que eram mandados pelos senhores de engenho para recapturarem os quilombos fugitivos".

Por Melissa Warwick |  03 de março de 2018

O Lambe-Sujos x Caboclinhos, mais conhecido como “Lambe-Sujo” é um manifestação cultural que acontece todo segundo domingo de outubro no município de Laranjeiras, a 20km de Aracaju, capital de Sergipe. Considerada uma das maiores manifestações culturais do Brasil, esse teatro a céu aberto representa a luta entre escravos negros dos quilombos (lambe-sujos) e os índios (os caboclinhos), que eram mandados pelos senhores de engenho para recapturarem os quilombos fugitivos. A festa, que foi inventada por negros alforriados por volta de 1860, reúne milhares de visitantes, entre eles estudantes, pesquisadores e claro, fotógrafos.

Nós conversamos com a fotógrafa Melissa Warwick, que nos contou sobre sua trajetória e esse projeto.

“Meu interesse por fotografia se deu em um processo gradativo, me tomando pouco a pouco. Tive contato com a fotografia ainda criança através dos meus pais, que sempre estavam com a câmera na mão nos fotografando ou nos filmando. Na adolescência, ganhei uma Olympus Zoom 70mm analógica e acabei me tornando a retratista oficial da turma. (Sim, tenho caixas e caixas de fotografias impressas guardadas…). Daí em 2007, numa temporada de estudos em

Barcelona, passei a levar esse flerte a sério e desde então venho estudando, praticando, compreendendo, aprimorando e me apaixonando cada vez mais por ela, a fotografia.”

Melissa também nos contou que teve uma vida nômade, tendo sido criada no Brasil e nos EUA, o que segundo a fotógrafa, a influenciou a observar com mais atenção e curiosidade o comportamento das pessoas à sua volta. Entender o que nos diferencia e o que nos conecta.

“Quanto mais observo, mais entendo e me identifico com o outro. E tento revelar um pouco desse feeling através da fotografia. Busco fazer uma ponte entre os espectadores e retratados para que se conheçam, se familiarizem, se transportem por alguns segundos para o mundo do outro e percebam minimamente o que se passa do outro lado da imagem.”

Quando perguntamos suas influências, Melissa nos disse:

“Além dos meus pais que me iniciaram nesse universo, tenho como algumas referências Claudia Andujar, Vivian Maier, Pierre Verger, Bresson, Alex Webb, Araquém Alcântara, além de vários jovens fotógrafos de rua brasileiros, como diversos colaboradores de contas como o @everydaybrasil, @coletivo.mamana e @quandotuflanares. Cenas da vida real me inspiram. Já fotografei muitos eventos sociais ao longo dos últimos dez anos, mas o que me enche os olhos genuinamente é a fotografia documental. Movimentos espontâneos, expressões naturais, frames da vida real. É o aqui e agora, sem pose, sem reprodução de cenas infiéis à realidade”.

Sobre o seu interesse por fotografar temas regionais e culturais, Melissa acrescenta:

“Em 2009 fui convidada para conversar sobre fotografia com uma turma de crianças e adolescentes participantes do projeto “Sertão é coisa de cinema”, apoiado pelo programa BNB de Cultura, em Poço Redondo, município localizado no sertão sergipano. Passei a observar e registrar a simplicidade das pessoas e as características curiosas do seu cotidiano, tão diferente do que eu estava acostumada a ver e a sentir. Desde então, retornei diversas vezes a esse e outros municípios ribeirinhos banhados pelo rio São Francisco, sempre trabalhando como fotógrafa de projetos especiais voltados à cultura e o turismo. Essas idas originaram algumas séries fotográficas e um grande amor pela região.

Apesar de ser uma manifestação que atrai muitos fotógrafos de todo o Brasil pela sua excêntrica diversidade cultural, eu nunca havia ido a Laranjeiras com a intenção de registrar o evento, até esse ano. Fui na tentativa de captar cenas que traduzissem a essência da tradição, mas ao longo do cortejo passei a ressaltar a presença feminina numa manifestação predominantemente masculina, além de observar as margens do foco principal, como os espectadores nas suas varandas e janelas.

Ao final, batendo um papo sobre em que ponto seu trabalho e a missão do Infame podem se encontrar, Melissa termina sua entrevista trazendo à tona o grande propósito da sua fotografia:

“Vivo hoje no menor estado do Brasil e percebo o quanto é difícil fazer com que a arte e cultura sergipana circule e atinja públicos diversos. Ao fotografar manifestações culturais como o Lambe-Sujos x Caboclinhos, penso que de uma certa forma estou contribuindo pra disseminar recortes de um universo ainda tão pouco conhecido pelo grande público. Acredito que esse seja um dos principais papéis da fotografia na atualidade”.

 

 

Melissa Warwick

Melissa Warwick

Melissa é uma fotógrafa brasileira com um pé nos EUA e o coração que viaja pelo mundo. Sua fotografia é o seu diário de bordo. Para mais informações a respeito do seu trabalho, acesse seu site.