Demorei a saber ler. Meu primeiro livro foi “O gato preto”. A professora disse à minha mãe que eu já deveria ler àquela altura. Lembro-me de sentir vergonha e injustiça. Injustiça, pois ninguém me falou nada sobre ler, apesar de eu fazer os exercícios da escola, escrever meu nome e até algumas pequeninas frases. Chamei minha melhor amiga Carol e pedi para ela me ajudar.
Como ela era doce. Com um sorriso e feliz da vida disse que o faria no recreio e que eu não deveria me preocupar. Era fácil. Minha barriga doeu no momento do desafio, como sempre acontecia até pouco tempo atrás, mas engoli em seco e pensei que ia ler, oras. Ela me disse para ler as letras, que eu já conhecia, e juntá-las, uma a uma.
De repente: “O gato preto…”, e ela disse – isso mesmo. Falei muito obrigada, um pouco sem graça de pedir ajuda. Sempre fui um pouco fechada e sem jeito para lidar com emoções. Li o livrinho todo, que era fino e cheio de ilustrações. Cheguei em casa e li para minha família, e depois para meu avô. Todos ficaram felizes. Por um momento me senti orgulhosa, mas logo não senti mais nada. Pensei que já devia ter feito isso antes e que eles na realidade não se preocupavam tanto assim.
Alugava todos os livrinhos da escola. Nossa biblioteca era grande, com uma enorme porta de madeira azul. As janelas de vidro alcançavam a parede por toda sua longitude. Aquele era meu lugar preferido. Ali, eu podia ficar quietinha sem precisar fingir amizades. Tinha poucos amigos, Carol e Rodrigo. Todo o resto era complicado pois misturavam-se territórios, buchichos e maldades, e eu preferia aquela luz que entrava pelas grandes janelas e os amigos de sempre. A luz era tão linda.
Eu fui crescendo ainda criança. Amava as aulas de redação. Na primeira série meu tema preferido era minha gata Margarida e como ela amava e cuidava de seus filhotes. Eu era boa nisso, o que era muito importante para mim, pois eu não era suficientemente boa em todo o resto. Escrever e ler era maneira de me transportar dali e viver em outro mundo, num planeta que as flores falavam enquanto dormíamos e que os felinos nutriam os sentimentos mais profundos por sua prole.
Na quarta série, Dona Nanci às vezes dizia – Hoje é dia de redação. E enquanto muitos torciam o nariz, eu ficava ansiosa pela gravura que ela colocaria em cima da cadeira para nos inspirar, e dela imaginava milhares de histórias possíveis. Havia fantasmas, mistérios e amor.
Nas férias, pouco tempo depois de acabar as aulas, a biblioteca ainda ficava aberta e era tempo de eu retirar todos os livros que podia para os próximos dois longos meses. Eu adorava ir até lá naquele horário, em que o sol entrava de maneira distinta e que eu antes não podia ver por estar em aula. A bibliotecária era uma senhora de nome Betty, que me deixava, nessa época, entrar lá dentro e escolher os livros que eu queria. Ela nunca nos deixava fazer isso em época de aulas, e para mim isso era adentrar um mundo desconhecido. Ela me dava dicas. Nessa época, li todas as séries de “Os caras” e chorei escondida com “Cyrano de Bergerac”.
O amor por ler e escrever é meu. Eu não vi ninguém, não fui mandada, nem ao menos aconselhada. Ele nasce em mim, natural, sem pedir licença. Eu não sou desatenta, entenda, mas é que me ocupo imaginando outros mundos, mesmo quando pareço te escutar.