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“Para Nunca Mais”: Dachau, Campo de Concentração é Símbolo Histórico para que a Injustiça Não se Repita

"O campo de concentração de Dachau é hoje um memorial dedicado às vítimas do governo totalitário nazista. Localizado na cidade de mesmo nome, próximo a Munique, Dachau foi um dos primeiros campos, criado em 1933 pelo regime, para aprisionar judeus, romenos, comunistas, gays e prisioneiros políticos alemães".

Por Fabiana Alves |  21 de dezembro de 2017

O sol da manhã iluminava uma vasta área de campo aberto com construções geometricamente calculadas. As árvores altas e antigas enfileiradas uma após a outra davam a sensação de que, antes, aquela rua havia sido passagem bastante frequentada. O arame farpado continuava no topo das grades, e uma espécie de córrego corria ao redor da construção, mostrando que a água serviu para alimentar campos agrícolas na rica região. A entrada tinha uma pesada grade de ferro em que se lia: “Arbeit macht frei”, o trabalho liberta, em alemão.

O campo de concentração de Dachau é hoje um memorial dedicado às vítimas do governo totalitário nazista. Localizado na cidade de mesmo nome, próximo a Munique, Dachau foi um dos primeiros campos, criado em 1933 pelo regime, para aprisionar judeus, romenos, comunistas, gays e prisioneiros políticos alemães. Por ali passaram e morreram grandes jornalistas, filósofos e artistas europeus que eram contra o regime de Hitler. Era usado pela propaganda nazista para demonstrar a limpeza e o trabalhado organizado de prisioneiros que deveriam ser corrigidos. “Nem um pingo poderia manchar o chão. Se o líder do bloco visse, ele escreveria um relatório naquele momento para a punição imediata. A louça também deveria estar totalmente limpa…você poderia ficar uma hora pendurado de cabeça para baixo se uma gota de café pudesse ser vista em um copo” relata o sobrevivente e jornalista alemão já falecido Edgar Kupfer-Koberwitz. A limpeza era usada para violentar e enlouquecer.

Dachau possuía uma grade alta com arame farpado e sentinelas que conseguiam ter uma visão de 180 graus. Antes da grade, havia uma parte de terra e grama que, apesar de não ter uma divisória cercada, era proibido que os prisioneiros ultrapassassem. Caso isso acontecesse não apenas quem o fez era morto, mas todos os outros prisioneiros que estavam na mesma divisão de trabalho eram severamente punidos. Essa era a estratégia mobilizadora do governo nazista, os prisioneiros eram divididos em grupos, se um deles fizesse algo errado, inclusive cometesse suicídio, o grupo todo era castigado. A ameaça servia também para com os parentes dos prisioneiros fora do campo, que poderiam ser exterminados pelas forças policiais do nacional socialismo. 

O campo foi criado em uma fábrica de munições abandonada, pelo então chefe de polícia de Munique, Ernest Himmler, posteriormente uma das lideranças do governo, e abrigava em seus primeiros anos cerca de 4.800 prisioneiros. Após a perseguição de judeus e as leis anti-semitas decretadas pelo governo, mais de 10.000 homens judeus foram levados para Dachau, que foi ampliado com mão de obra dos próprios prisioneiros. Em 1945, havia 65.000 presos. Ali, havia “experiências médicas em humanos” e torturas que levaram à morte. A maior parte daqueles que deveriam ser exterminados em massa eram levados para outros campo, os denominados campos de extermínio, como foi Auschwitz, na Polônia. Os trabalhos forçados eram importantes para a produção principalmente de munição para a guerra, muitos morreram de tanto trabalhar.

Com o exército alemão perdendo e os Aliados avançando, os prisioneiros passaram a ser transferidos para campos em que os nazistas ainda tinham controle, o que fez com que os últimos anos de Dachau se sustentasse com superlotação de prisioneiros e surtos de doenças como o Tifo. Em abril de 1945, o campo foi libertado pelo exército americano. O soldado americano Kevin Quinn disse que ao ouvir a apelação de um médico alemão nazista, perguntou-o: “Como você quer que eu tenha piedade. Olha o que você fez?”, e ele respondeu: “Mas era ciência”.

A maioria das pessoas que visitam o campo de concentração de Dachau dizem sentir-se mal por haver uma energia pesada no local. Passados mais de 70 anos, pouco em termos históricos, o que resta ali são paredes frias que contam uma história que não deve ser esquecida, para que nunca mais se repita. O local é silencioso, onde apenas se escutam as vozes baixas de grupos de visitantes, os pássaros e o riacho que corre ao lado. Ali há a paz merecida aos que repousam em conjunto com corpos desconhecidos até hoje em valas comuns. Emociona-se, mas de felicidade, porque aquele terror teve um fim. A energia no local não poderia ser mais leve.

O peso da morte não repousa mais ali, mas em centenas de outros locais ao redor do mundo. Aquele local serve para que cada pessoa se lembre que há lugares como aquele ativos em prisões americanas, como Guantánamo, e brasileiras, como foi o massacre do Carandiru. O Brasil ainda é exemplo de sistema carcerário falido, com celas superlotadas, uso de tortura e abuso de autoridade. Com a quarta maior população carcerária do mundo, em 2016, foram 376 mortes violentas em presídios no País.

Além disso, as guerras continuam acontecendo ao redor do mundo e alimentam a economia de muitos estados. A Síria já tem mais de 330.000 mortos devido à Guerra Civil instaurada frente ao governo totalitário de Bashar al-Assad. Dachau existe para que nunca mais a injustiça aconteça ali ou em qualquer local do mundo. O médico nazista quando da libertação do campo respondeu que aquilo era apenas ciência, enquanto alguns policiais modernos podem se referenciar a um ser humano como bandido por condições sociais, de gênero e cor. Muitas torturas e mortes acontecem com prisioneiros que ainda aguardam julgamento. Nunca mais a morte nem de milhões, nem de centenas e nem de uma pessoa.

No campo de concentração de Dachau existe a paz e as flores frescas que sobreviventes depositam ali em homenagem aos mortos. O sobrevivente Elly Gotz reafirma em frente às câmeras de bom humor e com um sorriso largo, sobre o dia 29 de abril de 1945, dia da libertação pelos Aliados: “Eu cheguei aos 16 anos em Dachau (vindo de outro campo), eu estava ali com 17, e para mim era… eu estou livre, agora a vida vai começar, minha própria vida começa, foi um reconhecimento chocante de que agora a vida começa de novo”. A entrada no Campo de Concentração de Dachau serve para se lembrar do que ainda acontece a quilômetros dali e pedir para que todos tenham a chance de começar suas vidas novamente. 

Fabiana Alves

Fabiana Alves

Fabiana Alves é ativista socioambiental, coordenadora de Campanhas do Greenpeace Brasil e escritora.