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Arte a Meu Ver: “A arte é sempre uma representação interior do artista”.

"A arte é sempre uma representação interior do artista. Ver o trabalho artístico sem conhecer o autor pode nos dar interpretações limitadas, pois o que se vê do outro também está mesclado com a individualidade interpretativa de cada um. O livro pode ter diversos personagens, mas todos eles são de alguma forma parte de seu criador. A interpretação que pessoas munidas das redes sociais deram às obras expostas nesses dois casos são reflexos da mente delas mesmas".

Por Fabiana Alves |  04 de dezembro de 2017

Sempre tenho dificuldade para escrever textos em primeira pessoa devido ao grau de pessoalidade contido neles. Me sinto de certa forma exposta, porém esse é um mal necessário para explicar meu ponto de vista sobre arte, pois qualquer obra artística, seja escrever, pintar, filmar, fotografar e outras, é reflexo do autor, intrínseco a ele.

Esse ano, as redes sociais foram inundadas com ataques a produções de arte contemporânea, o que levou ao fechamento de algumas exposições, algo bastante comum no século passado, mas que não deveria ser nesse. Houve o cancelamento em Porto Alegre e no Rio de Janeiro da exposição “Queermuseo”, após uma campanha massiva nas redes sociais de grupos jovens conservadores de direita, alegando alusão à pedofilia e zoofilia.

O Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) também recebeu críticas pois abrigou a performance de um homem nu, denominada “La Bête”, numa leitura da obra “Bicho” de Lygia Clark. A polêmica foi gerada quando uma criança de 5 anos, acompanhada da mãe, tocou o pé do artista nu e interagiu com ele, de maneira inocente, sem qualquer conteúdo erótico. A pedofilia estava dentro dos que reprovaram a atuação, não naquele recinto.

A arte é sempre uma representação interior do artista. Ver o trabalho artístico sem conhecer o autor pode nos dar interpretações limitadas, pois o que se vê do outro também está mesclado com a individualidade interpretativa de cada um. O livro pode ter diversos personagens, mas todos eles são de alguma forma parte de seu criador. A interpretação que pessoas munidas das redes sociais deram às obras expostas nesses dois casos são reflexos da mente delas mesmas. É no pensamento desses críticos que reina a sensualização exacerbada do homem nu e a pedofilia do nu próximo a uma criança, a qual nasce despida e não possui o teor erótico que o adulto atribui a ela.

A arte é a ferramenta mais importante para se multiplicar interpretações, em que há a possibilidade de ver o mesmo objeto, o mesmo desenho de diferentes formas. Há a mistura dos olhos de quem a criou e de quem a vê que amplia a limitada visão do homem, e o tira de seu mundo por alguns segundos. Nesses poucos segundos, é como se tivéssemos várias almas, e de cada visão do outro que interpretamos mudamos um pouco a nossa e nos tornamos mais próximos do coletivo.

As críticas à arte contemporânea foram infladas por movimentos e lideranças, pois infelizmente no Brasil ela ainda é limitada a alguns grupos sociais – a maioria nem teria conhecimento delas se não fosse assim. É triste perceber a ignorância de governantes, como os prefeitos do Rio de Janeiro e São Paulo, Crivela e Doria, um de mentalidade religiosa limitada e o outro parte de uma burguesia alienada a tardes de compras, que deram coro à censura.

O Brasil nunca teve uma verdadeira revolução cultural, para valorizar suas criações e colocar todos em contato com ela – o resultado é uma população com pouco entendimento artístico. Onde se fecha uma exposição, deve-se abrir centenas, e é isso que nós artistas devemos lutar para fazer, e incansavelmente nunca deixar de criar, para nós e para o outro.

 

Fabiana Alves

Fabiana Alves

Fabiana Alves é ativista socioambiental, coordenadora de Campanhas do Greenpeace Brasil e escritora.