Infame

Engajado nas Redes Sociais e um Opressor de Mulheres: o Esquerdomacho

"A escritora, jornalista e organizadora do protesto #EuNãoMereçoSerEstuprada, Nana Queiroz, afirma que o esquerdomacho é um homem que acordou para as diversas formas de opressão da sociedade sem se dar conta de que ele é um opressor de mulheres. São homens que não entendem de quantas maneiras eles reproduzem o machismo".

Por Maria Fernanda Ribeiro |  22 de novembro de 2017

Esquerdomacho. Já ouviu falar? Eu nunca tinha ouvido. Até conhecer um bem de perto. E foi nesse relacionamento que descobri que há um nome dado para aqueles caras que acreditam em justiça social, participam de discussões efusivas nas redes sociais defendendo o feminismo e são engajados em causas humanitárias, mas na rodinha de amigos objetificam a mulher o tempo todo, sejam elas namoradas, casos ou até mesmo as amigas.

E quando a mulher resolve reclamar, tratam tudo como histeria ou problematização do relacionamento. Aliás, histeria é um termo recorrente. Desqualificar a mulher também aparece nos discursos com frequência. Apesar de acreditar realmente que um mundo melhor só será possível por meio da igualdade social, ele se incomoda se a sua parceira possui mais experiência, ou mais dinheiro, ou um trabalho mais legal. E assim ele reduz, inferioriza, rebaixa.

A fulana está trabalhando em uma ação voluntária contra a fome na África? Claro, ela faz isso para fugir das obrigações do dia a dia, diz o esquerdomacho. Ciclana resolveu largar tudo para desenvolver um projeto com as crianças órfãs da Síria? Também, com o dinheiro que ela ganhou de herança, até eu, sentencia. Ela foi fazer um PHD no exterior em Ciência Política para estudar o imperialismo e as frações de classe no século 21? Certeza que não vai dar conta do recado, lá vem o macho de esquerda de novo, que pode passar de oprimido a opressor em um passo caso se veja ameaçado por grana ou poder.

Ele tem na sua farta estante apinhada de livros títulos de Simone Beauvoir e nos bares da vida gosta de expor toda a sua intelectualidade ao citar trechos dessas obras. Ele também defende as causas ambientais, está quase se tornando vegetariano e se engajou com as causas indígenas de uns tempos para cá.

A escritora, jornalista e organizadora do protesto #EuNãoMereçoSerEstuprada, Nana Queiroz, afirma que o esquerdomacho é um homem que acordou para as diversas formas de opressão da sociedade sem se dar conta de que ele é um opressor de mulheres. São homens que não entendem de quantas maneiras eles reproduzem o machismo.

“Parece uma posição de hipocrisia, já que falam tanto contra racismo e classismo. Às vezes é. Mas em outras ocasiões, creio eu, é falta de informação e de sensibilidade para enxergarem-se como propagadores dos sistemas opressivos da sociedade. No fundo, todos nós, sem exceções, inclusive oprimidos, reproduzimos as dinâmicas da sociedade em que somos criados. A única salvação é o senso crítico e autocrítico”, diz Nana.

Por desconhecer a nova gíria até ela bater em minha porta, fui conversar com mulheres que já viveram na pele situações parecidas para que elas me explicassem melhor que tipo de macho alfa é esse. E eis algumas das respostas:

“O macho de direita adora declarar expressamente o que ele é e você sabe o que te espera, já o macho de esquerda finge ser o que não é para passar de engajado e intelectual. O maior hipócrita de todos.”

“O esquerdomacho esquece tudo o que disse e passa a agir como o pior dos machistas, mas com um defeitinho a mais: o autoperdão.”

“É aquele que vai às manifestações das minas, usa hashtag, apoia o movimento, mas a mulher dele não usa saia curta ou não deixa a mina falar em reunião porque sempre acha que ele tem algo melhor a dizer.”

“Eles são comuns, mais do que gostaríamos, por trás da pseudo-intelectualidade, preocupação social, há o discurso de liberdade, mas na verdade é puro egoísmo. Gostam de pregar o amor livre, mas livre somente para ele, porque as mulheres com quem se relacionam não podem ser livres, há um controle emocional e mentira, ah, muita mentira. Colocar a mulher no papel de louca é característica dele também.”

Em uma das pesquisas que fiz, encontrei mulheres que estereotipam o machista de esquerda como caras que são de humanas, usam barba, vestem camisetas legais e tênis descolados. Mas como acredito que estereotipar é o caminho inverso para a igualdade e a diversidade que propomos, ouso dizer que o machão de esquerda, usando ou não camisetas maneiras de banda e filmes cult, se esconde atrás de uma reputação angelical inverossímil, ao contrário do macho de direita que defende sem receios a tradicional família brasileira.

Um amigo, ao saber do texto que eu escrevia, enviou a seguinte mensagem: “É uma luta diária que travamos, temos que nos vigiar, prestar muita atenção no que falamos e escrevemos para não cairmos na armadilha cultural a que somos submetidos. E não entenda isso como desculpa e sim como confissão. E esse tipo de denúncia serve para continuarmos na reflexão e na busca de uma sociedade fraterna.” Senso crítico e reflexão, está aí a salvação.

A minha reflexão sobre a importância da luta diária travada pelas mulheres contra o machismo começou quando estourou a notícia do homem que ejaculou em uma mulher no ônibus e os textões feministas começaram a aparecer. O homem com que eu me relacionava acompanhava tudo nas redes sociais, comentando e compartilhando posts. Que pessoa incrível não é?

Percebi que a resposta era “não, não é incrível” quando ele me chama no Whatsapp e diz que não aguentava mais essas feministas e os textões do Facebook. Fiquei confusa com o mundo subjetivo de discursos incoerentes daquele cara tão politizado e que sabe tudo de opressão social. Se mostrar engajado tinha muito mais a ver com vaidade do que de fato sê-lo.

Ao mesmo tempo em que fazia a defesa pública contra a cultura do estupro e recheava sua timeline com mensagens de apoio, em sua vida privada ele abominava tudo isso acreditando se tratar de uma grande histeria coletiva feminista.

E nesse momento entendi que a luta contra o machismo é uma batalha que deve ser travada diariamente, nos pequenos momentos de opressão, sem naturalizá-los, pois as coisas mais terríveis da vida ocorrem no silêncio e de forma natural. Mulheres, uni-vos.

Maria Fernanda Ribeiro

Maria Fernanda Ribeiro

Maria Fernanda é jornalista e rodou um ano pela Amazônia para conhecer e compartilhar as histórias do povos da floresta. Nascida em Bauru, interior do estado de São Paulo, morava em São Paulo antes de iniciar a jornada floresta adentro. Agora mantém o blog Eu na Floresta no Estadão e tentar arrumar tempo para escrever um livro e está à procura de uma casa com quintal para ter sua própria horta e onde possa plantar os amigos, os livros e nada mais.