Infame

A Coletividade Excludente da Pós-Modernidade

"A era digital impulsionou a falsa busca pelo fim da desigualdade de classes, em que se defende conceitos urbanos centrais, alienados da realidade rural ou periférica das cidades. Inseridos no sistema capitalista, muitos defensores de direitos travam batalhas de likes na internet, com argumentações rasas sobre a estrutura que se faz parte".

Por Fabiana Alves |  21 de novembro de 2017

Na era da internet, existe uma falsa transparência democrática resultante do auge do capitalismo. O comunismo foi derrotado globalmente com o fim da Guerra Fria e da União Soviética. Os erros, apesar de acertos, e a forte contra-propaganda desencadeada pelo ocidente contribuíram para isso, além de um complexo contexto internacional de disputas de poder no século XX. São poucos os intelectuais pós-modernos que se declaram comunistas e que lutam por um país e mundo que seja verdadeiramente coletivo. O comunismo foi enterrado e vive-se uma tentativa de anseio por bens comuns e públicos pautados no capitalismo. Contudo, o capitalismo é por si só forma econômica e política excludente e individualista, e os discursos coletivos acabam por defender direitos com bases individuais que nunca serão capazes de levar a consenso que gere igualdade social e verdadeira democracia. De acordo com o escritor português, Saramago, “na falsa democracia mundial, o cidadão está à deriva, sem oportunidade de intervir politicamente e mudar o mundo. Atualmente, somos seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos nem chegar perto”. A internet contribui para a falsa ideia de que se está sendo escutado, sem sair do sofá, e muitas vezes, causa a falsa sensação de conhecimento externo de círculos sociais, que são apenas redirecionados para as redes.  

A geração atual defende com avidez os direitos de gênero, racial e social, sem discutir ou se preocupar com a ótica economicista e estrutural do capitalismo. Tenta-se acreditar que existem direitos humanos sem pensar política e economia. Aqueles que acreditam no defender direitos sem discutir estruturas maquiam o individual excludente criado pelo modo econômico em que eles mesmos estão inseridos e, sem perceber, legitimam e defendem a exclusão. Como exemplo, percebem-se diversas mulheres tratando o feminismo como luta individual e particular, e muitas vezes apolítica. Contudo, o direito feminino não pode ser visto como a transformação da mulher no homem de hoje, com simples inserção igualitária no mercado de trabalho e outras arenas. O direito feminino deve buscar a igualdade de maneira a possuir um olhar diferente do mercado de trabalho, inclusivo e coletivo, de maneira a mudar não apenas a relação entre o homem e a mulher, mas a estrutura mercadológica.

A era digital impulsionou a falsa busca pelo fim da desigualdade de classes, em que se defende conceitos urbanos centrais, alienados da realidade rural ou periférica das cidades. Inseridos no sistema capitalista, muitos defensores de direitos travam batalhas de likes na internet, com argumentações rasas sobre a estrutura que se faz parte. A multiplicação de textos em primeira pessoa em sites de cultura, arte e política reflete o culto pessoal preocupado com a autolegitimação. A exemplo, temos a criação de sites de conteúdo que tornaram-se vozes de indivíduos aprofundados em suas subjetividades freudianas, e que, sem querer, ao não acessarem outras camadas sociais, formam falso entendimento de que as preocupações da burguesia estão acima da banalizada pobreza, mascarando a luta de classes. A internet, algumas vezes, serve de alavanca para exacerbar e fornecer vozes unilaterais daqueles que possuem acesso à melhor educação.

O que existe, portanto, é um consumo de direitos humanos em que se desconsidera o fato de que cada gesto humano é político, pois inserido em uma estrutura líquida, como o capital, deve ser mudado para que surta efeito coletivo. As redes sociais trazem a alienação, mesmo quando não possuem esse objetivo, pois torna a discussão limitada por posts controlados e ausência de contato pessoal contínuo.

Quanto ao comunismo, é importante que a sociedade volte a pensar alternativas fora da estrutura capitalista atual, para não defender direitos dentro de escolhas econômicas que torne o pensamento coletivo insustentável. A base econômica e social deve ser sempre instrumento de transformação constante e presente. O mundo precisa voltar a falar no comunismo, para que haja a revolução social com inclusão de todos. O comunismo não é Stálin, mas Trotsky e Kautsky, lideranças apagadas pela história e pelo mundo do pensamento simples e raso, ideal para a não existência de modificações estruturais. Deve-se, por fim, deixar a autoafirmação para existir em harmonia com o outro. Não é possível viver sem a utopia da justiça social. Um mundo rodeado de miséria só serve para alavancar mediocridades.

 

Fabiana Alves

Fabiana Alves

Fabiana Alves é ativista socioambiental, coordenadora de Campanhas do Greenpeace Brasil e escritora.