O silêncio é, sobretudo, segredo. Para compreender a imensidão cósmica, é preciso aquietar-se. Ao invocar a meditação literária, necessita-se da mudez absoluta. Na poesia, inúmeras vezes, as vozes silenciadas são o berço da inspiração.
Contudo, o silêncio pode ser um inimigo doloroso. Laps, o premiado filme da diretora Charlotte Wells, é um grito desesperado. Em apenas seis minutos, ele transfere a dor inenarrável da protagonista aos nossos olhos. Tornamo-nos cúmplices de todas as vozes caladas por todas as mulheres que sofreram, sofrem e sofrerão esses assédios silenciosos.
O filme começa despretensioso. Algumas braçadas, tranquilas, submersas. O banho, simbólico, acontece sempre antes de sermos violadas. Não há volta quando a imundície atinge a alma.
Um metrô lotado em Nova Iorque dá continuidade à cena. E, de repente, o improvável se configura. Um homem, desfocado, sem rosto, ausência de identidade. A personificação do horror.
Os passageiros, silenciados, parecem testemunhar, em paralisia, a agressão. A mulher que está sendo agredida tampouco consegue reagir. O exaspero invade os sentimentos de quem assiste: conivência.
O curta de Wells é sutil e desprovido de drama. Não se preocupa em escancarar a ferida abissal que dilacera o universo feminino. E, por este motivo, é tão incômodo.
Porque colocamos em dúvida a responsabilidade de nossos assédios. Porque tentamos, em vão, lavar as marcas dos estupros diários que sofremos. Porque limpamos o sêmen dos tarados nos ônibus, como se fossemos minimamente culpadas. E seguimos silenciosas, enclausuradas, tardias.
Laps é a recusa ao silêncio.