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Gordofobia: Dieta da Vida

"A frase “ela, ele é bonito de rosto” escancara o entendimento às avessas de compreender a beleza do outro e marca a superficialidade do preconceito moldado por características físicas padronizadas. As pessoas aceitam a imposição estética como se isso os fizesse pertencer a um grupo que os protege porque os aceita, sem contabilizar os custos e os porquês dessas escolhas".

Por Fabiana Alves |  06 de novembro de 2017

Dieta do carboidrato, do glúten, dieta mediterrânea que não vem de lá; dieta da fruta, da salada, da carne. Gordas oprimidas por magras que querem ser capa de revista. Magra que acha que dois quilos na balança é gordura – taca-lhe uma dieta do ovo cozido. Gordas que se tornam magras cirurgicamente. Magras de 30 anos querendo entrar no jeans de quando tinham 16. Fome. Dieta da vida.

Gordofobia é a aversão a pessoas gordas ou medo de se estar gorda ou gordo. O discurso da saúde norteia o temor. Os moldes de magreza adotados nos dias de hoje não são saudáveis fisicamente ou psicologicamente. Muitos adquirem doenças como bulimia e anorexia, nos casos mais graves, enquanto outros vivem privações desnecessárias apenas atreladas a um estado físico ligado ao psicológico do próprio indivíduo.

O Boteco da Diversidade, no Sesc Pompeia, está realizando encontros sobre diversidade e no mês de agosto o tema foi “Visibilidade Gorda”. Quem comandou foi a MC Preta Rara que já começa dizendo que magrinha que olha no espelho e se auto intitula gorda porque engordou dois quilinhos é gordofóbica. Em uma das performances, um homem gordo tenta colocar roupas que não entram em seu corpo e faz com que todos da plateia sintam o não caber no mundo feito de estereótipos. A culpa é de mais um padrão criado para homogeneizar pessoas e dizer-lhes como e o que devem ser.

A frase “ela, ele é bonito de rosto” escancara o entendimento às avessas de compreender a beleza do outro e marca a superficialidade do preconceito moldado por características físicas padronizadas. As pessoas aceitam a imposição estética como se isso os fizesse pertencer a um grupo que os protege porque os aceita, sem contabilizar os custos e os porquês dessas escolhas. A dicotomia entre ser gordo e ser saudável aparece como justificativa para a aceitação de cultos à magreza prejudiciais à saúde. Não há nada de errado em engordar ao longo dos anos ou ser mais gordo por toda uma vida, e isso não significa ser doente. Preocupante é o gasto de energia de pessoas saudáveis para perder peso e se tornar alguém que não são, seja por seus hábitos, seja por seus desejos.

A gula é historicamente condenada pelo cristianismo, que a entende como luxúria. Os padrões estéticos atuais não estão ligados à religião, como antigamente, mas são justificados e entendidos como o trabalho necessário para se obter a compensação de ser magro e forte, portanto possuem uma ancestralidade institucional. E quem é gordo recebe a falsa alcunha de preguiçoso. Milhares de mulheres e homens passam horas fingindo andar no lugar, ou pular em um aparelho sem ir a lugar algum, para obterem a recompensa física por seus esforços. Esforços que não enriquecem a alma, apenas enrijecem os músculos. O motivo para isso é ser saudável aos moldes impostos pela indústria da moda, que talha comportamentos e corpos para entrarem em suas vestes. As doenças psicológicas surgem, mas elas não são tão visíveis quanto um corpo gordo estigmatizado.

O que há de saudável e equilibrado em uma pessoa que se pesa toda semana, ou nos piores casos, todos os dias? Ou que afirma estar gorda por pesar alguns poucos quilos a mais? E que todos os dias vive o martírio da balança, da comida, e da barriga, imposto pela indústria da beleza que quer vender uma imagem de desejo que tem como objetivo ser inalcançável para que o consumo pelo corpo ideal não cesse.

Cirurgias plásticas e regimes malucos. Hostilização do mais gordo como doente que não é. Impedimentos e medos que circulam ao redor do que é permitido a apenas alguns tipos físicos. Gordas que não podem ser bailarinas ou são hostilizadas por usarem fio dental. Se alguém diz que gosta ou não de gordinho é porque não compreende o simples gostar de pessoas. Preconceito de peso existe e oprime a todos, gordos e magros. Saudável é corpo e mente de quem é feliz e não passa fome de viver.

Fabiana Alves

Fabiana Alves

Fabiana Alves é ativista socioambiental, coordenadora de Campanhas do Greenpeace Brasil e escritora.