No caminho até o Quilombo Lagoa das Piranhas passa-se por colunas infinitas de bananeiras do Projeto Formoso, maior produtor de bananas do Brasil. Na estrada, o cerrado fica cada vez mais parecido com a caatinga, porém sem perder suas características fundamentais. As propriedades rurais tornam-se menores, e restos de ossos de gado são encontrados no caminho. Em agosto, os animais estão magros e alguns sucumbem na areia branca. Ao fim da estrada de terra encontra-se o Quilombo com seu campo de futebol de terra batida fazendo as honras de uma praça principal inexistente. Ali habita um povo de antes do gado e das bananas, fugidos da escravidão que ainda os persegue.
Seu Miguel é o presidente da Associação do Quilombo Lagoa das Piranhas. Ele é um homem baixo e marcado por suas lutas. Sua casa é pequena e simples, porém fresca para aguentar o calor do inverno de um cerrado quase caatinga. O quintal dele, assim como o quintal de outros quilombolas dá para uma grande lagoa a perder de vista, com águas ainda verdes, que dá nome ao Quilombo. As águas da Lagoa estão em risco devido à poluição provinda das altas quantidades de agrotóxico utilizados nos grandes projetos agrícolas de Bom Jesus da Lapa. Muitos reclamam da saúde e desconfiam da qualidade da água que bebem. A Lagoa supre o quilombo de peixes e mata a sede da pequena criação e dos moradores dali.
Ao perguntar sobre sua luta, Seu Miguel transforma-se em um gigante capaz de ocupar toda sua casa. Ele quer dignidade e igualdade. Não deseja as disputas de terras que mataram tantos dos seus, que estão enterrados naquele mesmo chão. O Quilombo possui fósseis humanos que se crê serem remanescentes de lutas por terra que se travaram ali. Naquele lugar, os mortos deixam mostrar seus restos para lutar ao lado dos vivos.
A luta dos quilombolas não é apenas territorial, mas também de enfrentamento do branco que ainda tenta subjugá-los como escravos. É a constante briga pela liberdade, que só existe quando há a possibilidade de escolhas. Os territórios quilombolas passaram a ter seus direitos garantidos na Constituição Federal de 1988, porém são poucos os que receberam o título de propriedade da terra. No início de agosto deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) postergou a decisão de tornar inconstitucional um decreto que facilitava a titulação de terras quilombolas. Se o Supremo votar a favor da ação de inconstitucionalidade enviada pelos Democratas ao STF, muitos quilombos serão prejudicados e perderão o direito à terra.
Seu Miguel saiu da beira da Lagoa das Piranhas para lutar por seus direitos em Brasília e prossegue pressionando para que o país não dê ao seu povo mais esse golpe. A campanha “O Brasil é quilombola, nenhum quilombo a menos” foi feita em defesa daqueles que foram trazidos à força para um país que agora tenta retirá-los de suas terras. Nascidos na guerra entre cores, os povos quilombolas precisam que a sociedade brasileira os conheça e apoie.