Infame

Fotografia Marginal: “Se alguém viu uma foto minha e se perguntou: ‘Que merda é essa?’. Bem, então eu consegui”.

Confira hoje ensaio fotográfico e o texto biográfico de José Bruno, também conhecido como Fluxo Marginal, artista cearense dedicado a revelar um mundo com cara de sujo.

Por Jose Bruno (Fluxo Marginal) |  28 de setembro de 2017

Sou do interior cearense, mas meu trabalho começou a tomar sentido quando cheguei nas cidades grandes, sentindo toda essa desigualdade, toda essa maldade, toda essa sujeira. Senti que precisava registrar as coisas de uma forma que estivesse conectado com a realidade, com a rua.

Realizei vários estudos e testes com múltiplas exposições e me adaptei a linguagem. “Múltipla exposição” é, basicamente, “pintar” duas ou mais fotos em uma única “tela”, uma por cima da outra. Achei que a foto ficava meio suja e caí nessa de deixar meu trabalho propositalmente “sujo”, assim do jeito que eu estava vendo. Acabei usando essa sujeira da rua em tudo que eu fazia, na fotografia, nos vídeos, nos desenhos e até nos artesanatos. Vivendo essa realidade tão suja, não da pra fazer fotos muito limpinhas não.

Na verdade sempre quis trampar com música, mas na minha realidade se você não tocasse em banda de forró, não tinha dinheiro pra pagar as contas básicas.

Em uma campanha política soube que estavam precisando de um fotógrafo. Era um trabalho legal e pensei que, em seguida, eu poderia comprar meus próprios equipamentos. Fui ao setor de comunicação dos caras e lá perguntaram se eu sabia fotografar e editar. Com a cara mais lisa eu respondi que sim e ganhei o emprego. Eles me entregaram aquela câmera, que pra mim era uma nave espacial, então comecei a estudá-la, com toda a pressão para fotografar um evento no dia seguinte.

Daí é aquela coisa da fotografia: quanto mais eu estudo, mais ignorante eu me acho. Sigo caindo nesse poço que é a fotografia.

Muita coisa influencia a minha fotografia: o desenho de um amigo, a dança de outro, a viagem que alguém teve no meio da conversa. Mas se tratando de fotografia sempre curti os cariocas do I Hate Flash. Lembro que ficava na vontade de uma dia ter um site daqueles com umas fotos minhas. Aprendi muito de múltiplas exposições vendo as fotos do coletivo. Hoje em dia eu curto pra caramba o trampo do Galba Nogueira (Fortaleza-CE), Rafael Lage (Bahia), Willmore Oliveira (Rio de Janeiro), Gabriel Uchida (Amazônia) e outros mais.

Passo na rua todo dia vendo uma galera que parece invisível, em que a maioria das pessoas esbarra e não pede desculpa, que a maioria das pessoas finge não ver. Bem, eu posso ver e posso sentir o que eu estou vendo. E é uma sensação muito ruim achar que você está sentindo sozinho. Fotografo pra registrar histórias, e as histórias não precisam ser nem parecidas uma com a outra. Assim como elas, não sinto a necessidade da minha fotografia ser assim, parecidas, seguindo uma ordem bonitinha. Minhas fotografias seguem a ordem das histórias, ordem nenhuma.

Busco com a minha fotografia provocar questionamento, então se você viu uma foto minha e se perguntou: “Que merda é essa?”. Bem, então eu consegui.

Meu estilo não é feito apenas de múltiplas exposições, mas também das cores dos filmes analógicos, da textura do VHS e das TVs mal sintonizadas. Algumas coisas são feitas ainda na câmera como as múltiplas, não curto fazer na pós. Faço as múltiplas como uma brincadeira de encaixar imagem, tentar imaginar onde está aquele rosto da foto anterior e tentar colocar um pedaço da nuvem no mesmo lugar na foto a seguir. Esse é um jogo que realmente me prende.

Mas também gosto de sobrepor backgrounds nas fotos, mudar cores e várias outras coisas que eu faço no computador, por enquanto.

Depois do meu último trabalho com salário fixo e toda aquela pressão, eu não queria mais trabalhar. Fiquei infeliz, não dava pra viver angustiado em troca de tão pouco dinheiro. Então comecei a viajar atrás de trabalho, conhecendo lugares, pessoas e trabalhos diferentes, mas sempre soube que não dava pra viver com contas pra pagar e dependendo da fotografia, pouquíssimas pessoas curtiam a linguagem e menos ainda queriam comprar. Ainda mais com meu equipamento velhinho, chegando ao fim da vida, a necessidade de desenrolar um novo plano era perturbadora. Aí aprendi a fazer artesanatos com couro e saí para expor na rua, sempre levando a câmera na bolsa. As fotos selecionadas neste ensaio são um apanhado das vivências que tive do primeiro semestre de 2016 até agora e foram feitas em diferentes cidades do Ceará, Pernambuco e Paraíba.

Quando li no site de vocês que “estamos dando ouvidos às pessoas erradas” eu dei um pulo e falei pra minha companheira, achei a minha revista. É muito difícil achar alguém que nos dê voz, a maioria quer falar por nós, dizer como a gente se sente. Não curto criar ou impor cena, gosto de registrar a cena, penso que assim dou o máximo de voz ao objeto fotografado, mostrando como eu o vi, não como eu queria que fosse.

Esses dias no final de uma carona acabei conhecendo o João do Pife de Caruaru e na conversa ele falou que só conseguiu comprar sua casa depois que foi convidado por um americano para dar oficinas lá nos “isteites”. O cara já é um senhor, teve a oportunidade que muitos outros artistas fodas não tiveram, mas mesmo assim não vive assim tão bem (no que se refere às angustias financeiras de todo mês). Parem de tornar tantos idiotas em famosos, eles só falam por eles, esquecem os próprios irmãos e quem esquece sua própria origem, não merece respeito.

Jose Bruno (Fluxo Marginal)

Jose Bruno (Fluxo Marginal)

José nasceu no interior cearense na década de 90, apaixonado por fotografia analógica e filmes em VHS, busca imprimir essa atmosfera cheia de granulados nas suas imagens.