Infame

“Sempre penso quantos lugares e pessoas extraordinárias conheci apenas por estar fotografando”.

Confira hoje o trabalho do fotógrafo e diretor de filmes Guga Ferri, um apaixonado por pessoas.

Por Guga Ferri |  26 de setembro de 2017

A imagem sempre esteve presente na minha vida. Desde cedo gostava muito de desenhar e era capaz de passar muito tempo, mesmo sozinho, desenhando e fazendo histórias em quadrinhos. Estudei desenho e achava que seria cartunista. Na adolescência entrei em crise com o desenho. Foi aí que a fotografia, meio sem querer, acabou ocupando esse lugar. E assim como eu fazia quando criança, continuo contando histórias através de imagens – com a fotografia e com o cinema.

Estudei para entrar na faculdade de ciências sociais e psicologia. E no momento da inscrição no vestibular – no momento exato de entregar a minha ficha de inscrição, falei pro moço no balcão: “Posso mudar meu curso? Quero me inscrever em fotografia”. Cursei ciências sociais na USP e fotografia no SENAC simultaneamente durante quase dois anos, mas logo percebi que queria ser fotógrafo. Foi uma paixão arrebatadora! Ficava horas no laboratório, saia para fotografar praticamente todos os dias pela cidade ou quando estava fora de São Paulo. Eu me interessava especialmente pela composição de cores, o que se tornou um traço importante do meu trabalho.

Trabalhei dez anos apenas como fotógrafo e neste período viajei o país clicando muitas das principais indústrias e obras de infra-estrutura do Brasil, além de fotografar publicidade e editoriais.

Em 2009 o cinema entrou na minha vida. Trabalhei ao lado de Danilo Mantovani, com quem tive uma parceria durante oito anos, assinando como “a_dupla”. Tivemos produtora, trabalhamos como diretores exclusivos na Conspiração Filmes e dirigimos filmes comerciais e conteúdo para grandes marcas do mercado. Em 2017, finalizamos nosso primeiro longa metragem, em co-produção com a ESPN, “Leões de Paraisópolis – O rugby que vem da Favela”.

Hoje voltei a fotografar e dirigir meus filmes sozinho e o que me interessa mais é a linguagem documental. Mais do que a ficção. Me fascina as pessoas, as histórias de verdade e o que procuro em meus trabalhos é trazer uma poética sensível à realidade que retrato. Documental não é real, também é construção, composição. E o que me interessa é a criação de uma perspectiva lúdica, surpreendente e digna, independente do assunto. É o gari, crianças brincando, garotos jogando rugby na favela, operários numa fábrica de cimento. Qualquer coisa é possível ser retratada dentro de uma estética sensível.

A fotografia, assim como o cinema documental, te trás uma possibilidade privilegiada, de observar o mundo e o outro. Conhecer. Viajar por lugares e histórias particulares. Sempre penso quantos lugares e pessoas extraordinárias conheci apenas por estar fotografando. Locais que nunca visitaria, realidades com as quais eu não teria contato, pessoas com que tanto aprendi, que nunca cruzariam meu caminho de outra forma.

Gosto muito de alguns fotógrafos com trabalhos bastante ligados à cor. Miguel Rio Branco, por exemplo, por sua poética sensível e cortante. Luiz Braga, um autêntico tradutor do Brasil amazônico. Martin Parr, por sua irreverência e surpreendente enfoque para o cotidiano. Pete Turner, fantásticas composições. Henri Cartier Bresson, pelo conceito e a aplicação, impecável, do momento decisivo. Enfim, são muitos. Trocentos fotógrafos, gosto muito de muitos!

Sobre o cinema, tem uma história curiosa. Sempre gostei muito música e sobretudo música brasileira. Em 1997, passou um documentário na HBO que eu gravei em VHS: um documentário que comemorava os trinta anos de carreira de Gilberto Gil, chamado Tempo Rei. Um filme lindíssimo, simples, histórias e fotografia incríveis. Esse filme me acompanhou por anos e anos e era uma produção da Conspiração Filmes, bem no comecinho, fotografado pelo Breno Silveira, que hoje é uma grande cineasta, dirigiu Dois Filhos de Francisco, Gonzaga, entre outros. Esse filme sempre me acompanhou e foi aí que eu tive meu primeiro desejo de um dia, quem sabe, trabalhar com cinema. Mais de quinze anos depois, estava eu dirigindo pela Conspiração e, sinceramente, em termos de documentários, na minha opinião, a Conspiração nunca mais fez um filme tão lindo.

O que mais me interessa na fotografia é o simples, o cotidiano, o banal. É transformar o trivial em extraordinário. É criar uma estética refinada a partir do simples, do que geralmente não olhamos ou não damos importância. Eu sou uma pessoa que tem prazer nas coisas simples. E gosto de trazer isso para minha fotografia. O que mais me encanta e o que busco ao fotografar é criar essa perspectiva estética de um lugar comum. Roland Barthes, em Câmera Clara fala que “em um primeiro momento, a fotografia, para surpreender, fotografa o notável, mas logo, por uma inversão, decreta notável aquilo que ela fotografa”.

O que me interessa hoje é a fotografia documental e retratos. Gente. Gente é uma constante em meus trabalhos e como eu disse anteriormente, procuro sempre uma abordagem sensível aos temas, como uma perspectiva positiva, otimista para os assuntos. E apesar de fotografar também em preto-e-branco, as cores são parte importante da minha maneira de enxergar quando estou fotografando e minha forma de compor as imagens. Procuro sempre criar fotografias que contenham uma história em si mesmas. Cada cena, uma história. Ao longo do tempo sinto que consegui chegar numa marca minha, um estilo. E acho que esse é o grande desafio de qualquer artista. Acho isso fundamental. Afinal, é isso que admiramos nos outros também: o estilo de um artista. Como cada um consegue dar unidade a um discurso, uma maneira de se expressar, contar histórias. Isso não é apenas na fotografia, mas na música, na literatura e nas artes plásticas de maneira geral. Caso contrário, estaremos diante de um punhado de obras aleatórias, sem coesão; a narrativa se esvazia e não reconhecemos a autoria nessa miscelânea difusa. É como se o autor não soubesse direito onde ele quer chegar.

O que me inspira e motiva a fotografar, no geral, é o desafio de transformar situações comuns, corriqueiras, em imagens impactantes, qualquer que seja o assunto retratado. No geral, formas me chamam mais atenção do que os conteúdos, por isso minhas séries na maior parte das vezes são compostas por imagens que dialogam mais pela linguagem do que por assuntos específicos. A minha busca é essencialmente por uma maneira de fotografar, que seja minha, que traduza o meu olhar e minha visão de mundo, mais do que um discurso a respeito de um assunto único.

Guga Ferri

Guga Ferri

Guga Ferri dedica-se atualmente à produção de conteúdo para marcas, projetos especiais e documentários. Em 2017 lançou seu primeiro longa-metragem, “Leões de Paraisópolis – O rugby que vem da favela”, uma co-produção entre ESPN e Spanda. Fotógrafo, especialista em novas mídias, diretor de filmes e de fotografia, criou em 2009 a produtora Mirada e foi diretor exclusivo da Conspiração Filmes entre 2011 e 2013, assinando com a marca a_dupla, com Danilo Mantovani, até 2016. Confira aqui mais informações sobre o seu trabalho: gugaferri.com.br, vimeo.com/gugaferri, instagram.com/gugaferri.