Infame

Só: Quando Decidi Seguir Novos Caminhos

"Você ainda está namorando, minha filha?”, ela perguntava. “Tô, vó”, eu respondia. “Ai, menina, termina logo esse namoro. Vai viver”, ela retrucava. Em vez de me mandar arrumar namorado, vovó me pedia para largar o meu".

Por Alana Della Nina |  17 de setembro de 2017

Toda família tem seus personagens peculiares. Na minha, exceção é quem não é, mas a vó Marlene se destaca por um talento especial: destruir clichês. Os diálogos natalinos sempre seguiram mais ou menos assim: “Você ainda está namorando, minha filha?”, ela perguntava. “Tô, vó”, eu respondia. “Ai, menina, termina logo esse namoro. Vai viver”, ela retrucava. Em vez de me mandar arrumar namorado, vovó me pedia para largar o meu.

Até que um dia larguei. Estive em uma relação longa, encavalada em outras tantas desde os primórdios da adolescência. E, beirando os 30, decidi ficar sozinha pela primeira vez.

Acontece que o mundo lá fora não é como a minha vó. E o mundo aqui dentro também não. A gente cresce escutando diversas anedotas tidas como verdades absolutas, como a do Grande Amor Romântico — a sua vida nunca será completa sem ele — e, a pior, se uma mulher está solteira, não é por escolha dela — tem alguma coisa errada aí. Neguei a vida toda essas premissas, só que elas eram inerentes à minha realidade. Eu não concordava, mas sentia.

Ao terminar minha última relação, além dos processos naturais de quem fecha um longo ciclo, tive que lidar com a questão óbvia: estou absolutamente só. Como é isso? Como é não se ocupar do outro e apenas de si mesma? Como é encarar o mundo lá fora por conta própria? Como vou conseguir me relacionar com alguém novo um dia depois de tanto tempo, tantas feridas, tanta bagagem? Para quem não tem paciência — como eu –, essas perguntas são altamente angustiantes, porque demoram para serem respondidas; quando são.

Meses mais tarde, durante uma viagem, conversei por horas com um húngaro. Ele, de outro país, outra cultura, outra cabeça, me disse algo muito familiar: “Prefiro ter alguém para não ter que lidar todos os dias com o vazio. E também porque é uma parte da vida que se resolve”. Nomes exatos a sentimentos que foram meus por muito tempo. Mas, àquela altura, eu já era a melhor amiga do meu vazio e me sentia calejada desse papo de aspectos práticos-econômicos-confortáveis de um relacionamento — sabia que aventurar-se pelo desconhecido tinha um preço alto e estava disposta a pagá-lo.

A coisa toda é que, além das conjecturas, revoluções e transformações internas, tive que lidar com o que estava ao meu redor. Depois de tantos anos blindada por um outro, eu não sabia mais enxergar as fronteiras. Relações de todas as naturezas que me cercavam mudaram drasticamente e, sendo uma mulher sozinha, a sensação que fiquei é que as pessoas se sentiam muito mais à vontade para invadir o meu espaço.

Logo comigo, que sou ferozmente territorialista com o meu quadrado.

Pesei a mão dos dois lados: por um tempo, me afastei e afastei a todos. Fiquei fechada, amuralhada, ensimesmada. Vendo de longe, percebo que essa foi uma fase importante, um reencontro necessário comigo mesma, embora tenha ido muito fundo nessa solidão voluntária. Quando relaxei, cedi demais. E dá-lhe sujeito se aboletando no meu sofá emocional.

De todas as batalhas que você trava ao decidir seguir sozinha, está a luta por si mesma, por poder ser livre, dona das suas decisões, soberana nos seus desejos. Foi um processo de aprendizado dizer os nãos e os sins que eu queria dizer, ver claramente quais eram os meus limites e impô-los aos outros e, o melhor de todos, parar absolutamente de me importar com opiniões não solicitadas ao meu respeito.

Entendo hoje que equilíbrio é sabedoria e vem com o tempo. Assim como o conforto de ser quem se é, independentemente do que te mandam seguir lá fora. Assim como a certeza de querer estar só. Por escolha, por vontade, por momento. Porque sim.

E, vó, você tinha razão, estava na hora de eu começar a viver. Eu só precisava me dar conta de mim mesma.

Alana Della Nina

Alana Della Nina

Alana Della Nina é de humanas, mas poderia ser de exatas – dizem. Jornalista e roteirista, prefere acreditar que é tudo um disfarce. Gosta de filosofia, viagens tretas, karate, cachorros (todos) e pessoas (algumas). Detesta: afirmações genéricas e gente que chuta a cadeira dos outros no cinema. Escreve também no Sai Dessa Vida.