Infame

Fotografar é um Ato Filosófico

"Uma imagem fotográfica não reflete apenas o mundo exterior ou parte dele, mas, sobretudo, projeta o universo interno do autor. Através da fotografia, nosso eu interior torna-se um filtro que usamos para tentar decifrar o que vemos. Tirar uma fotografia significa tomar várias decisões que nunca são inocentes: é um ato filosófico."

Por Giuseppe Santagata |  13 de setembro de 2017

Há mais de um ano (quando o Infame ainda era um embrião), navegando pelas infindáveis hashtags de fotógrafos de todo o mundo no Instagram, nos deparamos com o fotógrafo e artista italiano Giuseppe Santagata. Na entrevista concedida ao Infame, ele nos contou um pouco sobre sua trajetória no mundo da fotografia e as influências que o ajudaram a formar o seu olhar/estilo.

Na infância Giuseppe já se interessava por vários tipos de arte e possíveis influências não faltavam. Primeiro, foi tocado pelo amor e interesse de sua mãe pela arte: “A arte sempre foi parte da minha vida. Minha mãe é pintora e professora de arte, e como uma criança pequena, passava minhas tardes ao lado de desenho e pintura.”. Mais tarde, quando jovem, ganhou sua primeira câmera de presente de seu pai, que se considerava um fotógrafo amador.

Sua paixão pela fotografia foi crescendo com o tempo, até que um dia decidiu começar um blog sobre o assunto, enquanto também estudava Direito. Os momentos em que se dedicava ao blog foram essenciais para que pudesse mergulhar profundamente nessa forma de arte, a sua grande paixão. Não demorou muito para decidir dedicar-se exclusivamente a isso, deixando de lado a vida como advogado.

Além da influência dos pais, Giuseppe traz na memória a inspiração de alguns elementos que o tocaram ao longo da vida, como a a literatura (segundo ele, as aventuras que os livros traziam foram alimentando ainda mais seu repertório) e o cinema, que até hoje continua sendo uma fonte constante de inspiração.

Para ele, a fotografia é uma maneira de nos fazer refletir e, porque não, de filosofar: “uma imagem fotográfica não reflete apenas o mundo exterior ou parte dele, mas, sobretudo, projeta o universo interno do autor. Através da fotografia, nosso eu interior torna-se um filtro que usamos para tentar decifrar o que vemos. Tirar uma fotografia significa tomar várias decisões que nunca são inocentes: é um ato filosófico.”

Essa filosofia praticada por Giuseppe pode ser percebida em suas obras. Abaixo você pode conferir três dos trabalhos realizados por ele nos últimos anos:

“A Leap into the Shadows” / Um mergulho nas sombras

Este ensaio faz parte de um projeto de longo prazo e ainda inacabado que se iniciou na Itália e continuou nos EUA, Coréia, Japão, Polônia e Espanha. Nele, Giuseppe procura se concentrar em duas realidades aparentemente diferentes e contraditórias: o fim e o início da vida adulta. Ao comparar idosos e adolescentes, o projeto tenta sublinhar a angústia e a incerteza que esses dois grupos enfrentam em relação aos seus respectivos destinos. De um lado, idosos examinam os limites sutis entre a vida e a morte, aceitando o fim de um ciclo e lutando contra a idéia de que podem não ter mais tempo para começar de novo. Do outro lado, jovens lidam com o desejo de sucesso na realidade, tomados pela insegurança, ficando impotentes diante de um futuro nebuloso.

 

“Viscera”/ Víscera

“Uso a auto-representação como uma investigação íntima e introspectiva, transformando cada auto-retrato em um manifesto metafísico. Como Narciso em frente ao espelho, reproduzo a minha imagem fazendo do meu corpo o assunto e o objeto da minha pesquisa. Com isso, a vulnerabilidade é revelada em seu estado natural, como se fosse uma dimensão de um corpo que, diante da constante agressão social, se isola. Uma anatomia humana alterada, que às vezes é irreconhecível, torna-se uma massa sem forma. Víscera híbrida, solitária e frágil, em uma metamorfose íntima em relação à morte.” – (Giuseppe Santagata)

 

“Vacant space that I inhabit” / Espaço vazio que eu habito

“Estes corpos em pedra, volumes vagos que habito, dão suporte à minha angústia e dor. Eliminando o que não é essencial no que é material, eu trago, em outro momento, esses corpos já esculpidos e imutáveis e transformo-os em seres frágeis, sofredores e questionáveis. No meio do caminho, entre o que aparentemente existe e o que não existe, o véu revela o núcleo ambíguo e misterioso da condição humana. Sem querer encontrar uma solução, meu olhar analisa o contraste entre o real e o irreal, posicionando-se na incerteza e na incapacidade de entender os limites de nossa percepção consciente.” – (Giuseppe Santagata)

Giuseppe explica que cada uma das séries o leva ao caminho da descoberta. Para ele, nesta árdua e contraditória jornada de plenitude e vazio, tanto a fotografia como a poesia revelam ao esconder e sugerem por não revelar. Por um lado, traça um caminho e, por outro, ressalta o impossível. Seu trabalho trata de questões existenciais como a vulnerabilidade, a transição da vida e o corpo como uma metáfora para a busca solitária e metafísica da alma. Esticando os limites do corpo físico, ele tenta revisar os limites da percepção e criar retratos que são um reflexo do mistério da condição humana.

Durante o processo criativo, Giuseppe afirma passar por diversas etapas: inspirações, dúvidas, frustração e rigidez. “Meu trabalho começa com profunda reflexão sobre um conceito. A centelha de uma idéia leva a um longo e trabalho período de contemplação e raciocínio, que muitas vezes é preenchido com dúvidas. Trabalho através de um processo bastante lento para construir uma imagem. O clique representa apenas a última e, muitas vezes, a parte mais decepcionante desse processo. Sou daqueles artistas que sempre está insatisfeito com a forma como um clique fotográfico acaba, já que a foto é simplesmente uma cópia medíocre do que era um idéia brilhante. No entanto, dentro dessa maneira bastante rígida de trabalhar, as próprias fotografias revelam novas idéias, levando-me a caminhos que eu nem pensava que poderiam existir. Eles misteriosamente me dão pistas e me empurram em uma nova direção. Junto com um modo de trabalho pensativo e regimentado, há no meu trabalho um lado instintivo que ajuda a divulgar novas idéias temas que podem ser desenvolvidos mais tarde.”, comenta. E conclui: “Eu uso a fotografia não como um meio para mostrar a realidade, mas como um instrumento para pôr em dúvida a nossa maneira de pensar. Minhas fotografias não são destinadas a dar respostas ao espectador, mas ao contrário, gerar incerteza. Estou muito interessado no significado de nossa existência, no ser humano e, acima de tudo, na nossa essência da vulnerabilidade e nossa aspiração à imortalidade.”.

Quando perguntamos se há alguma relação do seu trabalho com o propósito do nosso canal, de trazer novas e diferentes perspectivas através da produção de conteúdo, Giuseppe responde:

“É muito interessante. Em nossos tempos, a perspectiva fresca e diferente é necessária, pois estamos em um mundo que tenta conformar tudo e joga holofotes em questões e pessoas específicas. Eu acho que todo artista revela algo que de outra forma não foi visto. Espero que meus projetos possam ser uma fonte de reflexão sobre certas questões.”

Para saber mais, acesse:

http://www.giuseppesantagata.com/

Instagram: @giusanta79

 

Giuseppe Santagata

Giuseppe Santagata

Giuseppe Santagata nasceu na Itália em 1979. Formou-se e fez um mestrado em Direito antes de focar em fotografia. Estudou Fotografia na Escola de Arte e Design de Antonio Failde (AESD) em Ourense (Espanha) e obteve um Mestrado Internacional em Fotografia Conceitual e Artística na Escola de Fotografia e Centro de Imaging (EFTI) em Madri. Seu trabalho foi exibido em exposições nos EUA, Polônia, Espanha, Itália, Coréia do Sul e Reino Unido.