Infame

Deixa Arder: Sobre Incendiar Barreiras e Paradigmas em Busca da Real Beleza

"Porque eu realmente acreditava que aquilo era necessário. Que era uma obrigação. Uma solução para a felicidade. Ser magra e arrumar um marido. Senão eu não seria nada".

Por Dana Piha |  11 de setembro de 2017

Esses dias o Facebook me trouxe à memória um texto que publiquei há dois anos no meu blog pessoal. Foi um dos últimos.

De repente eu larguei o blog. Não sabia direito porque, mas não tinha mais vontade nem inspiração de escrever ali. As pessoas me perguntavam quando eu ia escrever de novo. Eu sempre respondia que não sabia, mas que ia ver. Não me dava nenhuma vontade.

Nunca entendi muito bem o motivo, até esse dia que recebi essa memória e acabei relendo alguns dos textos que escrevi por lá.

Estão todos lá (www.daniellamagrela.blogspot.com), sem edição, revisão, nada. Sempre mantive o compromisso comigo mesma de não revisar os textos ao terminá-los e nunca apagá-los, por mais incômodos que eles pudessem se tornar ao longo do tempo.

Daí nesse dia, relendo alguns deles, senti um embrulho no estômago grande, e entendi porque abandonei o blog.

Eu criei aquilo lá para assumir publicamente um compromisso de me manter na dieta, para ver se eu de uma vez por todas conseguia virar uma pessoa magra.

Eu criei aquilo lá porque tinha certeza de que só seria feliz na vida se eu fosse uma magricela de pele perfeita com um potencial noivo para me levar ao altar. Achava que só poderia ser considerada gente e respeitada pela coletividade de homens que existe nesse mundo se estivesse em boa forma física (nesse caso, leia-se magra, mesmo que isso implicasse em infelicidade de alma e distúrbios alimentares, se preciso).  Eu buscava o impossível. Buscava me enquadrar em um padrão irreal para a minha estrutura física.

Que merda é essa? Alguém me explica. Por favor. Que merda é essa?

Tem texto meu em que é claro o meu sofrimento. Tem texto que, lendo hoje, é nítido que toda a ironia e graça adorada pelos meus amigos era só um jeito de maquiar a minha infelicidade com aquela “necessidade”. Porque eu realmente acreditava que aquilo era necessário. Que era uma obrigação. Uma solução para a felicidade. Ser magra e arrumar um marido. Senão eu não seria nada.

Eu me achava nada. E escondia isso atrás das piadas sobre mim mesma e minha vida miserável em busca pela magreza absoluta.

Pra mim, receber elogios sobre os meus textos autodestrutivos era quase uma compensação por não receber os elogios que eu sonhava em receber na minha vida real.

Só me dei conta disso tudo agora. Há alguns dias. E fiquei muito brava comigo por ter me tratado mal desse jeito, durante todo aquele tempo, por tantos textos.

Por ter vivido tanto tempo da minha vida buscando ser alguém que eu não sou. Por passar fome, me privar, sentir culpa e me punir por não ser igual a menina da capa da Boa Forma.

Isso está muito errado. Meu deus, como está errado. Como está errado essa obsessão por padrões estéticos malucos e como está errado viver a vida acreditando que é isso que vai fazer alguém ser alguém.

Anos se passaram desde o último texto. Mas muita coisa ainda é igual.

A Daniella que está aqui hoje ainda é insegura em relação à própria aparência. Ainda é preocupada demais com o tamanho do próprio quadril, com a falta de firmeza da pele, com as pontas duplas do cabelo. De algum jeito meu humor varia de acordo com o que eu vejo no espelho. Sigo me comparando com outras mulheres, fico desesperada quando a dieta não engrena e fico atordoada com as vozes que ressoam na minha cabeça e dizem que eu não sou nada porque não sou magra. Tem dias que essas vozes são só o que eu consigo escutar.

A diferença é que a Daniella que está aqui hoje está determinada a silenciar essas vozes. Porque elas definitivamente não são minhas.

Chega. É muito limitante. É muito pouco.

É muito pouco limitar o meu valor no mundo (ou o de qualquer pessoa) ao tamanho da minha bunda.

E eu não estou aqui para iniciar um movimento social, contra essas merdas de padrões que ficam entubando na gente desde que saímos do útero das nossas mães, como se fosse uma coisa normal (essa é outra luta, absolutamente necessária e importante, mas que eu só vou conseguir integrar na hora em que eu tiver vencido a minha própria).

Eu estou aqui para dizer que não vou mais escrever para me desvalorizar e reafirmar, texto atrás de texto, com jeito de piada, que eu não sou suficiente. Porque isso não é verdade. Não é mesmo.

Eu sou legal. Sou chata pra caralho, mas eu sou legal. Sou amorosa. Inteligente. Boa amiga. Boa filha. Boa irmã. Erro pra caramba. Tropeço. Levanto. Caio. Levanto de novo. Batalho. Tenho uma carreira. Pago minhas contas. Tudo isso deve valer para alguma coisa. Não é possível que não.

Sabe o que mais? Eu tenho um coração gigante brilhante vibrante, cheio de amor pra distribuir. Ele é maravilhoso. Maravilhoso mesmo. É um coração querido e animado e doidinho pra bater forte forte forte e sem fim.

E eu sei, eu vi, eu senti na pele,  em vários momentos muito preciosos, que é só isso que vale alguma coisa. Que vale mais que tudo. Coração vibrando, coração batendo forte, coração queimando de amor.

É disso que eu quero saber. É sobre isso que eu quero escrever. É isso que vale ser enaltecido e compartilhado. Né?

Definitivamente a Daniella que criou aquele blog não é mais a mesma. E isso é muito bom de reconhecer. Muita coisa precisa evoluir, mas diferente.

As prioridades mudaram. Hoje meu sonho é conseguir calar essas vozes que me assombram e me dizem o tempo todo que eu não sou suficiente por causa da minha aparência.

Eu quero me libertar desse peso que é muito mais pesado que aquele que eu carrego na minha barriga e no meu quadril.

E eu escrevo isso aqui para eu voltar nessa página, nos dias que eu estiver me sentindo uma merda, e lembrar do que realmente importa.

Se escrever ainda serve para alguma coisa, que seja pra isso. Para falar do que vale a pena. Sobre o que eu busco para o meu coração. Sobre o que é relevante para a alma.

Hoje estou aqui para recomeçar. E declarar, publicamente, que eu não serei mais o meu próprio carrasco.

Vou botar fogo nessas vozes filhas da puta, vou queimar essa merda dessa masmorra que eu me enfiei, essas ideias infelizes sobre o que é felicidade, essas revistas cheias de mentira. Vou queimar a porra toda, até tudo virar pó. Até não sobrar nada que não o meu coração puro, sem capa, sem proteção nenhuma, e o que ele sente.

Vai ser foda. Vai arder. Mas vai ser lindo.

Yalla, bye.

 

Dana Piha

Dana Piha

Dana Piha é advogada, mas não ameaça processar ninguém. Para isso medita, em busca da paz interior que não veio de fábrica. Escreve sem filtro sobre os amores e dissabores dessa incrível vida real como forma de terapia. Nas horas vagas é jogadora de volley e realiza pesquisas para encontrar o melhor cheesecake do mundo.