Quando os celulares passaram a existir, não se imaginava a possibilidade de que eles poderiam se tornar outros objetos. O celular é o relógio, a tv, o jornal, as pessoas e, por fim, o amor. O Tinder é diferente de sites de relacionamentos, da cartomante, ou da mandinga do tarólogo, pois ele está o tempo todo no seu bolso. Todos os dias, se quiser, pessoas estarão guardadas na mochila para sustentar uma sociedade que alimenta diariamente a necessidade e a incapacidade de se relacionar com o outro.
O fenômeno Tinder é pouco discutido, por ser difícil compreender a dimensão tomada pela liquidez do amor no aplicativo. Com o deslizar dos dedos em uma tela gélida, escolhe-se, como em uma prateleira, um produto que se sabe para que serve, mas que ainda não foi completamente aprovado. O descarte do que se vai consumir é igualmente agressivo e, se com um toque errado, você deixar de escolher o produto certo, pode-se, ao preço de R$ 6,99 ao mês, desfazer ações passadas. Como o Instagram ou o Facebook, o app lembra ao usuário a todo momento o que ele está perdendo, mas nesse caso, é a possibilidade de consumir ou descartar pessoas.
O filósofo Zygmunt Bauman, ferrenho crítico ao capitalismo, no livro “Amor Líquido”, narra o caráter transitório das relações humanas no mundo global. O capital foi transferido para as relações interpessoais, e os indivíduos deixam de pensar coletivamente e passam a imaginar relações tão fáceis quanto o consumo oferecido pelo capitalismo. O Tinder reflete a carência de uma população que se sente constantemente só, apesar de ter tantos amigos e amantes virtuais e ocasionais. Há dificuldade em se relacionar, ao mesmo tempo que necessidade constante. Aquele que busca apenas sexo, não está negando relações, mas demonstrando carência sexual. O que vai atrás do amor, idealiza-o a tal ponto de se apaixonar por uma foto ruim tirada de uma câmera de celular.
Apesar de o amor não ter regras, e muitos matchs terem se tornado algo além do aplicativo, o Tinder cria a sensação de afastamento constante de si mesmo, e é dessa maneira que a maioria das pessoas o utiliza. Torna-se distração de cada um para se afastar de seus próprios fantasmas na fila do banco, ou no quarto vazio antes de dormir. É a ilusão de estar sempre acompanhado por desconhecidos.
No filme Ela, do diretor Spike Jonze, os seres humanos passam a se apaixonar por um aplicativo robótico, acreditando que aquilo é verdadeiro. A voz fala e faz o programado e, em certo momento, o software é proibido por estar modificando relações interpessoais e tornando-as nocivas. Esse ainda não é o caso do Tinder, mas a sociedade parece estar cada vez mais próxima dessa ficção.
Perde-se no Tinder o movimento do cabelo do outro, o jeito de falar, a voz, o cheiro da primeira apresentação. Chega no encontro a mercadoria embrulhada e sujeita à análise do comprador conforme os parâmetros especificados na internet. Pula-se etapas, as melhores delas, o encantamento, a paquera, o medo de ele não te olhar. Perde-se a coragem de tocar a pele desconhecida, e aponta-se uma tela fria. A dificuldade de se relacionar é do tamanho da vontade de estar com alguém, independente da finalidade. A sociedade das simplificações acabou por transportar o capitalismo prático para a única coisa que possuía de seu, o amor.