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Ela Foi Viver na Floresta: O Abraço de Alter do Chão, no Pará

"O turismo estava - e ainda está - crescendo e a região passa por um momento de transição importante: pode seguir o caminho de outros paraísos que foram tomados pela especulação imobiliária e gentrificação, ou pode se beneficiar da criação de um novo modelo, mais sustentável, onde a população local é valorizada e também consegue crescer e se desenvolver. Eu aposto neste segundo modelo e sinto que tem uma rede muito interessante de gente engajada em escrever uma história diferente por ali”.

Por Mariana Brunini |  29 de agosto de 2017

Já parou para pensar que, muitas vezes, durante o processo de observar fotografias, somos levados a algumas perguntas mentais?

Aqui no Infame isso acontece com a gente direto. Somos bem curiosos quando nos deparamos com fotografias, tanto que dedicamos um espaço do site só para isso.

– Que lugar é esse? – Quem são essas pessoas? – O que estava acontecendo ali? – O que sentiu aquela pessoa enquanto tirava a foto? – Por que a tirou? – Por que as pessoas da foto estão dispostas dessa maneira? O que pensavam no momento do clique?

O que nos encanta na fotografia – seja ela produzida por fotógrafos profissionais ou não – são as histórias escondidas em cada imagem. Com elas podemos vivenciar, nem que por um instante, momentos que não vivemos, entrar em contato com realidades que não são as nossas e que, muitas vezes, passam despercebidas. A imaginação vai longe e volta com pensamentos que talvez não tivéssemos se não fossemos impactados por aquelas imagens.

Com o ensaio publicado neste post, passamos pelo mesmo processo indagatório. A história você pode conferir aqui. 

Aos oito anos de idade Mariana Brunini foi presenteada pelo pai com uma câmera fotográfica para crianças. “Era um câmera roxa e amarela, que logo se tornou meu passatempo favorito. Eu a usava com moderação, pois a mesada tinha que dar conta dos filmes e da revelação”, comentou. Até hoje tem as fotos tiradas nessa fase, lembranças que mostram ela e uma amiga usando vestidos e maquiagem, em poses inspiradas pelas revistas de moda da mãe dessa amiga.

Já na idade adulta, em 2003, quando a fotografia já parecia estar guardada em uma das gavetas lá no fundo das suas lembranças, a mudança para um lugar especial, com uma realidade totalmente diferente, estreitou sua relação com a fotografia. A menina (agora mulher) chegava à Índia. “Morei na Índia em 2003 e levei uma câmera digital (moderna para a época) de 2 Megapixel. Seus disquetes me deram a liberdade de fotografar com todo o exagero que gostava”.

Neste país distante, o cotidiano era tão diferente que queria registrar tudo compulsivamente, até que um dia alguém sugeriu a criação de um Fotolog. Passados os receios iniciais por conta da exposição virtual, Mariana foi pegando gosto pela coisa. Os comentários que apareciam embaixo das fotos ajudavam-na a assimilar o que estava sendo vivido e a ferramenta se tornou uma ponte de diálogo entre Mariana e o mundo. “O Fotolog se tornou uma rica troca, onde a fotografia era uma ferramenta útil de diálogo com o mundo. Até hoje a fotografia cumpre esse papel. Não a encaro como uma profissão. É, como a minha introversão fala, onde encontro voz para o meu silêncio”.

Além desses dois momentos, ao longo de sua vida, Mariana se inspirou em fotógrafos cujos olhares têm em comum versatilidade para captar a beleza da vida cotidiana de povos tradicionais. Foi então que ela se encantou ainda mais pela fotografia.

“Tenho um livro do Pedro Martinelli chamado ‘Amazônia, o Povo das Águas’ que comprei na época da faculdade e me instigou ainda mais para conhecer a floresta. O Marcos Lopes me abriu as portas para conhecer o povo Yawanawá, o Tiago Silveira, também faz registros do cotidiano amazônico, o Tinko Czetwertynski está fazendo um lindo projeto com a fundação Le Ciel ‘The 12: in search of the Masters’ e com os mestres dos povos tradicionais ao redor do mundo e, claro, a minha maior musa a Claudia Andujar”, contou.

Mas esse interesse não apareceu por acaso. Mariana não ainda não sabe muito bem o que a motivou, mas foi parar Alter do Chão – PA. “Sempre tive vontade em conhecer os povos da floresta, mas por me parecer algo de difícil realização, a deixava esquecida em algum lugar dentro de mim.

Me formei em Relações Internacionais e sempre atuei na área social. Trabalhei no mundo corporativo, nas área de investimento social e desenvolvimento humano de um banco, apoiando projetos de empreendedorismo e geração de renda, educação, empoderamento feminino, inovação, entre outros.

Em 2011 passei por uma crise pessoal, me separei e em seguida saí do meu trabalho e em seis meses fui três vezes para a Amazônia, onde se deu o início de uma mudança na minha vida. Ampliei minha atuação profissional, me envolvi em projetos que unem  sustentabilidade e valorização da cultura local, através do design, turismo e autoconhecimento.

Fui para Alter do Chão em 2015, quando conheci uma pequena comunidade ribeirinha no Arapiuns, um afluente do Tapajós. O paraíso na Terra! Vivenciei atos de generosidade que me tocaram de uma forma tão profunda que, na travessia de barco, entre os rios e absorvida por aquela experiência, enxerguei na floresta possibilidades interessantes. Me dei conta que tinha algumas ferramentas que poderiam ser úteis para apoiar o desenvolvimento local.

O turismo estava – e ainda está – crescendo e a região passa por um momento de transição importante: pode seguir o caminho de outros paraísos que foram tomados pela especulação imobiliária e gentrificação, ou pode se beneficiar da criação de um novo modelo, mais sustentável, onde a população local é valorizada e também consegue crescer e se desenvolver. Eu aposto neste segundo modelo e sinto que tem uma rede muito interessante de gente engajada em escrever uma história diferente por ali”.

Voltando à fotografia, pode-se dizer que Alter foi para Mariana uma espécie de laboratório, onde ela pôde se comunicar com a floresta e contar o que estava vivendo e sentindo. No ensaio que selecionamos com ela para este post, é possível notar a sua relação de aproximação com a Natureza, com o povo local de comunidades no Arapiuns e Santarém, o município que administra a pequena Vila de Alter do Chão, e sua vontade de captar cenas cotidianas que muitas vezes passam despercebidas.

“Gosto de fotografar o que passa despercebido no dia a dia. Em Alter do Chão fazia quase sempre o mesmo percurso a pé, e quando estava com a mente presente, descobria novidades, como a textura interessante de uma folha. Olhava para cima e observava a luz batendo na copa das árvores. Olhava para o lado e lá estava um tronco com uma forma que remetia algo. Olhava para o rio, via o reflexo do céus. Reparava dos macacos às formigas.  Eram tantas coisas acontecendo simultaneamente, mesmo que parecessem inertes. Outra fascínio da Amazônia, é o trabalho manual, uma tradição familiar. Abrir palha para a cobertura de casas. Tecer a tarrafa usada para pescar, tarefa de longa duração, que exige introspecção. Tive muita sorte em acompanhar esses momentos e ouvir muitas histórias dos mistérios da floresta.

Mariana também enfatizou a importância de se estar no momento presente para captar as histórias por trás dos momentos:

“Tendo tempo e calma para escutar e observar, todo mundo tem uma boa história para contar, principalmente os mais antigos, que viveram mais experiências. Alter permite que se possa prestar atenção nessas histórias e, para isso acontecer, é importante estarmos presentes, atentos e interessados um no outro. Porém, muitas vezes a correria do dia a dia às vezes nos afasta destas possibilidades.”, comentou

Neste contexto, Mariana destaca duas coisas que são cada vez mais raras nas grandes cidades e que ela pôde perceber nos dois lugares que mostrou nas fotografias que dividiu conosco: o tempo e uma consequência do que a sobra de tempo gera: a intimidade.

Para ela, em Alter é possível vivenciar um ritmo mais ligado aos ciclos da natureza, acordar bem cedo quando o sol está nascendo e ainda não está muito quente e experimentar o tempo de uma forma mais rica, sem  pressa nem agenda. As conversas se estendem, muitas vezes elas acontecem deitadas na rede, esse relaxamento nos deixa mais próximos, mais íntimos. “O mais bonito, a honra de ser convidado para estar dentro de casa, almoçar junto, conhecer sua fé, sua família, suas músicas, seus hábitos criando laços afetivos muito fortes. E quanto a gente sente falta de algo mais movimentado existe Santarém, a 40km de Alter do Chão, a terceira cidade mais populosa do Pará tem cerca de 300 mil habitantes, shopping, aeroporto, cinema, mototáxis por todos os lados e o Mercadão 2000 onde a gente se abastece com toda a variedade das deliciosas iguarias regionais.”

Por fim, finalizou com uma frase que a faz pensar até onde pode ir o papel da fotografia, aqui definido como um possível “catalisador para o pensamento”

“Gosto muito dessa frase: ‘A fotografia é uma pequena voz, na melhor das hipóteses, mas às vezes, apenas às vezes, uma fotografia ou um grupo delas pode atrair nossos sentidos à consciência. Muito depende do espectador. Em alguns casos, a fotografia pode convocar uma emoção o suficiente para se tornar um catalisador para o pensamento” W. Eugene Smith’.”

Mariana Brunini

Mariana Brunini

Mariana Brunini é formada em Relações Internacionais com MBA em Sustentabilidade. Desenvolveu sua carreira nas áreas de Investimento Social e Desenvolvimento Humano, trabalhando com temas como: Empreendedorismo e Geração de Renda, Empoderamento Feminino, Desenvolvimento Local, Questões de Igualdade Racial e Gênero, Educação Infantil e Autoconhecimento em Instituições como Banco Real/Santander, Rosenbaum, OXFAM INDIA  e atualmente no Raizs. Foi uma das fundadoras do Comitê de Jovens Empreendedores da FIESP e da OSCIP Projeto LACE. Nasceu em São Paulo e morou na Índia. Mais recentemente, morou também em Alter do Chão – PA, onde encontrou a oportunidade de utilizar toda a sua experiência em prol do desenvolvimento local e onde conseguiu viver o presente e dialogar com uma realidade diferente da sua através da fotografia.