Infame

Mudança de Rota: Dubai, Índia e o que Descobri Sobre Mim

"Eu ainda estou assimilando tudo que vivi em Dubai e, principalmente, na Índia. A cada dia que penso a respeito, me vem uma lembrança e um bom sentimento. A imagem que me vem mais à cabeça é de eu dormindo no trem. Eu lembro de mim nesse momento e sei que estava feliz.”

Por Rafael Messias |  09 de agosto de 2017

Rafael Messias, 32 anos, nasceu no Campo Limpo, mas foi no bairro do Jabaquara, em São Paulo, que passou a maior parte da sua vida. Publicitário, trabalha como produtor há mais de 10 anos, tendo passado por grandes agências de publicidade.

No começo de 2016 a vida de Rafael ia muito-bem-obrigada, até que recebeu uma proposta para trabalhar em uma agência fora do país. Não demorou muito para aceitar. De um dia para o outro se despediu da mulher, amigos, família e uma carreira já consolidada no Brasil para começar algo novo, em um país novo. Você deve estar pensando em Londres, Nova York ou mesmo Berlim. Mas não. Rafael foi trabalhar em Dubai.

Dubai nunca foi um plano para ele, mas aceitar a proposta era a chave para o início de uma possível e bem sucedida carreira internacional, além de ser uma oportunidade de juntar uma grana. “Eu tinha na cabeça que Dubai era uma porta de entrada para outros mercados.” – completou ele.

Então Rafael fez as malas, se despediu de todo mundo e partiu. Nos primeiros dias veio logo a primeira impressão: Dubai é uma cidade pequena, muito cara e fácil de você conhecer em poucos dias. No primeiro mês morando lá, o publicitário já havia sacado seu funcionamento e feito tudo que o seu dinheiro permitia.

O que mais o impressionou foram os contrastes do lugar. Em uma entrevista para o Infame, ele contou um pouco sobre essa experiência:

“Bur Dubai , Deira e Creek são umas das áreas mais antigas. Lá é onde moram as pessoas que ajudaram e ajudam a construir Dubai. Na sua maioria, um povo carente saído de países como China, Paquistão, Bangladesh, Filipinas e Índia, um povo que vive diariamente o contraste entre o muito rico e o muito pobre. O dia a dia em Dubai é cheio de contrastes, você vê isso a todo momento”. 

Percebeu também que em Dubai 80% da população é composta por estrangeiros e, por isso, é fácil ter acesso a culturas do mundo inteiro; que o lado novo da cidade parecia ser de mentira e sem alma, diferentemente do lado antigo que, apesar de mais sofrido, era mais verdadeiro.

Assim que chegou, Rafael começou a trabalhar. No entanto, para a sua surpresa, não se adaptou. Logo no segundo mês viu que não era nada daquilo que esperava. Sentiu-se frustrado e com uma grande dúvida: “Será que fiz a coisa certa?”. Mas era isso mesmo. Rafael viu que ali não iria “dar samba”, saiu da agência e se viu, de repente, em uma espécie de filme com final trágico, que bem poderia se chamar “Perdido em Dubai”.

Só que Rafael optou por outro roteiro. Após alguns dias sem saber o que fazer, resolveu sair de casa e andar pela cidade para fotografar. Foi dar um rolê no lado antigo de Dubai, o lado mais “verdadeiro”, com alma. Ali Rafael viu uma oportunidade de contar histórias que, antes despercebidas, passaram a ser percebidas através da fotografia.“Eles levam uma vida menos fingida”, afirmou.

Estava usando um celular recém comprado, um Iphone7, que considera um “celular decente para fotografar” e ainda traz naturalidade para captar imagens espontâneas das pessoas e seus cotidianos.

“Eu sempre gostei de tirar fotos de pessoas nas ruas, principalmente em situações cotidianas. Gosto de clicar esse momento e tentar criar uma história sobre quem é essa pessoa, para onde ela estava indo. Eu gosto do desafio de fazer um clique de algo comum como o dia a dia . Você às vezes tem uma única chance de fazer o clique e é muito gratificante quando consegue traduzir a situação com o seu olhar.”

O intuito era fotografar as histórias das pessoas. Muitos largaram tudo na Índia e Paquistão, por exemplo,  para trabalhar em Dubai por um salário muito baixo, mas mesmo com as mazelas da vida, essas pessoas sabem acolher, tratar bem e ajudar ao próximo. Entre uma ruela e outra, entre um café e outro Rafael fez amigos – “Eu ia sempre ao mesmo lugar, onde pude ter contato com pessoas mais simples. Aí já ganhei uma certa afinidade com elas. Elas me chamavam de Brazilian. Se você chega sem medo e aberto, você é muito bem recebido.”

Conheceu muitos indianos e, conversando com um deles, decidiu conhecer a Índia de trem. “Conheci muita gente da Índia em Dubai. Tinha um café perto do Creek que eu sempre parava para tomar ou comer algo. Na terceira vez que parei nesse lugar, um dos funcionários  me perguntou se eu já havia ido para a Índia, me contou mais sobre a vida dele, o que havia deixado para trás para tentar a vida em Dubai. Foi a partir desse papo que me deu mais curiosidade de conhecer a Índia. Eu estava prestes a voltar ao Brasil, encontrei uma passagem barata e decidi passar uns dias na Índia”. 

No Holi Festival, Rafael sentiu uma energia muito forte em um evento que ele pouco conhecia e não sabia o que esperar. O que presenciou ali foram os rituais cantados, pessoas dançando e muitas cores em um povo que, apesar de sofrido, sabe celebrar – Pesquisando sobre quais cidades deveria conhecer, descobri que iria na mesma época do Holi (festival Hindu que celebra o início da primavera e simboliza a vitória do bem sobre o mal, o inverno). Pesquisei uns lugares interessantes para ver e montei o roteiro: Deli, Jodhpur, Agra, Mathura e Jaipur. Ao viajar de trem pude participar um pouco do dia dia deles. Isso me ajudou a perceber o quão forte é olhar do povo indiano e, para mim, isso tem muito a ver com a energia e espiritualidade. A Índia tem alma e era isso que eu sentia falta em Dubai. Todo momento de celebração e alegria é algo que eles valorizam muito. Pude ver isso de perto”, conta.

Algo que o impressionou é como o indiano é um povo acolhedor, muito acessível e respeitoso. “Não vi uma briga durante o festival, por exemplo”.

Ao voltar da viagem de trem pela Índia, Rafael teve poucos dias em Dubai até que pegou um avião de volta para São Paulo. Apesar dos planos de trabalho não terem saído como o esperado, ele afirma ter encontrado na fotografia uma forma de vivenciar esses dois lugares através de uma perspectiva diferente da que ele havia imaginado. Poder sentir de perto uma realidade tão distinta da sua foi o que mais o encantou: “Eu nunca me senti parte de algo tão diferente da minha realidade como me senti na Índia. Eu tentei viver cada dia da forma mais verdadeira possível, sem nenhum medo ou pré julgamento sobre o povo.”

Para ele, o saldo dessa experiência é algo difícil de mensurar. “Eu ainda estou assimilando tudo que vivi em Dubai e, principalmente, na Índia. A cada dia que penso a respeito, me vem uma lembrança e um bom sentimento. A imagem que me vem mais à cabeça é de eu dormindo no trem. Eu lembro de mim nesse momento e sei que estava feliz”.

Na verdade, a mudança de rota e o contato com o inesperado fez com que percebesse uma beleza que talvez sequer teria notado se não estivesse na rua, observando e fotografando. Essa mesma beleza fez Rafael enxergar mais sobre o mundo e sobre si mesmo.

“Não ter ficado na agência foi a melhor coisa que me aconteceu. Não foi nada fácil, mas no fim das contas, tive crescimento espiritual maior, pude perceber a energia que existe em mim, que posso ser uma pessoa mais calma do que eu era e, acima de tudo, perceber que voltei diferente daquele que partiu”.

Site: https://rmessias85.wixsite.com/foto

Instagram: @rmessias

Rafael Messias

Rafael Messias

Rafael Messias é paulista , crescido no bairro do Campo Limpo e publicitário formado pelo Mackenzie . Sempre gostou mais de imagens que de texto e, hoje, entendeu que é na fotografia documental o lugar onde se sente mais à vontade para expressar e dividir seu ponto de vista.