Eu gostaria de propor a ideia de que nós já estamos lutando a Terceira Guerra Mundial. Nós não estamos apenas perigosamente nos aproximando dela ou esperando pelo acontecimento de algum evento inevitável. Nós já estamos dentro dela. Nós, na realidade, estamos dentro até o pescoço da próxima “Guerra para Acabar com a Guerra”.
Deixe-me explicar.
Em 1740, Jacob Dickert começou seus experimentos com uma espingarda de cano longo com vincos. Eles chamaram essa inovação de “rifle”. E assim começou a última guerra.
Essa guerra desdobrou-se por séculos e fases, mas fundamentalmente estava relacionada com o uso deliberado e estratégico de tecnologia industrializada para proporcionar níveis cada vez maiores de energia destrutiva. Durante essa era, poder era algo que vinha especialmente do cano de uma arma e a união entre tecnologia e industrialização fez com que, de batalha em batalha, escalássemos progressivamente mais alto a escada da destruição. Até que em Hiroshima atingimos o nível mais alto e o começo do fim da última guerra.
Em 1917, pediram ao ainda jovem Edward Bernays que ele ajudasse os Estados Unidos na guerra por meio da aplicação das teorias sobre o inconsciente desenvolvidas pelo seu tio, Sigmund Freud, de modo a usá-las contra a nova técnica alemã da “propaganda política”. E assim começou a guerra atual.
Enquanto nós continuamos a lutar a última guerra em trincheiras, uma nova forma de guerra estava sendo desenvolvida simultaneamente. Essa guerra não guardava relação com uma força destrutiva em seu sentido energético. Essa guerra foi lutada em um campo de batalha inteiramente diferente – sentido e significado. Armas, germes e aço deram passagem para espiões, mentiras, distração e sedução.
Por volta dos anos 1970, era claro a todos que assistiam àquilo que a velha maneira de lutar uma guerra havia terminado. Pouco importava quantas bombas foram lançadas no Vietnam. A guerra de verdade estava nos corações e nas mentes das pessoas.
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A tecnologia da guerra muda rapidamente. No período de um século e meio, a última guerra saltou dos rifles longos para os rifles de repetição, daí para as metralhadoras até que viesse a bomba atômica. Os lutadores da guerra atual não perderam tempo. As guerras da cultura, significado e propósito viram a inovação como uma “curva exponencial tecnológica”. Os esforços de Bernays e Goebbels foram deixados bem distantes no passado pelos métodos modernos. Pense no seguinte: conceitos como “false flag/bandeira falsa” e “deep state/estado paralelo” hoje em dia são parte de nosso vocabulário comum. Todo mundo está familiarizado com “confirmation alias/viés de confirmação” e “psyops/operações psicológicas”. Agora todos nós somos um James Jesus Angleton.
Pelas minhas estimativas estamos chegando bem perto da Hiroshima da guerra atual. Talvez estejamos diante do equivalente moral da guerra de trincheira, talvez nós estejamos tomando as praias da Normandia. É difícil dizer. Afinal, o principal empurrão à guerra atual é que está cada vez mais difícil de fazer com que as coisas façam sentido.
Dê uma olhada na Síria. O que exatamente está acontecendo? Com uma simples pesquisa, encontrei pelo menos seis narrativas radicalmente diferentes e plausíveis:
- Assad usou armas químicas no seu povo e os Estados Unidos bombardearam sua base aérea como forma de resposta.
- Assad atacou uma base rebelde que estava inesperadamente estocando armas químicas e Trump bombardeou a sua base aérea por motivos políticos.
- O Estado Paralelo (Deep State) nos Estados Unidos é responsável por iniciar uma operação de bandeira falsa pela qual usou-se armas químicas na Síria como forma de enfraquecer a insurgência de Trump.
- Os russos são responsáveis pela operação de bandeira falsa que usou armas químicas com o objetivo de enfraquecer o Estado Paralelo.
- Putin e Trump colaboraram para a realização de uma operação de bandeira falsa para desviar as atenções do escândalo segundo o qual Putin teria interferido nas eleições americanas.
- Algum outro país (China? Israel? Irã?) é responsável pela bandeira falsa por motivos desconhecidos.
E só para termos certeza de que estamos mesmo entendendo até onde pode chegar a falta de sentido em tudo isso, outra hipótese:
- Sequer houve um ataque com armas químicas, os “capacetes brancos” são uma notícia falsa criada por motivos desconhecidos e todo mundo que tem condições de saber alguma coisa a respeito desses assuntos fica repetindo sua própria versão dos acontecimentos de acordo com seus interesses pessoais.
Você acha que essas últimas suposições não são plausíveis? Tem certeza disso? Você tem certeza de que sabe os atuais limites dessa guerra contra a tentativa de fazer sentido? Guerra de marionetes, hacking cognitivo e memética armada?
Tudo que tenho certeza sobre a Síria é que realmente não sei porra nenhuma do que está acontecendo por lá. E que esta situação – essa crescente e generalizada condição de desorientação completa – é insustentável.
No final da última guerra, o mundo achou-se frente a frente com a percepção de que o progresso contínuo na arte de matar havia chegado ao final. Havíamos nos tornado tão bons em destruir que, a não ser que fossemos muito, muito cuidadosos, acabaríamos matando todo mundo.
Mas a guerra atual é ainda mais perigosa. Nossa habilidade de chegar a um senso comum evaporou; e como significado e propósito estão fragmentados em um monte de cacos, torna-se cada vez mais difícil tomar boas decisões. Na verdade, torna-se cada vez mais difícil até mesmo querer tomar boas decisões.
Suspeito que não há muitas opções para nós. Ainda não chegamos ao fundo do poço. Mas espero que em breve haja uma profunda aceitação comum entre as pessoas de que nenhuma das instituições do presente são confiáveis e uma profunda convicção comum de que podemos e devemos (re)construir essa confiança nós mesmos.