A gente inventou este site por achar que tem um monte de coisa errada acontecendo por aí. Não fomos os primeiros a percebê-las. Nada disso. Muitos desses problemas são conhecidos de todos nós há bastante tempo. Mas por mais óbvios e escancarados que sejam, o que temos feito, na prática, para combatê-los?
No meio de tanta coisa ruim, aqui no Infame temos um incômodo especial com o fato de sermos, cada vez mais, ilhas isoladas umas das outras – por mais que o crescente tempo que dedicamos a um contato virtual possa dizer o contrário. Por achar que caminhamos a passos largos para um mundo de pessoas desconectadas, em que a vida de desconhecidos não nos diz respeito, chamamos a fotógrafa Salinê Saunders e fomos para a rua exercitar nossa qualidade de animal social, puxando papo com completos estranhos. Um exercício simples que nos incentiva – ou força? – a lembrar que todos nós estamos no mesmo time; que nossos problemas e alegrias conversam; que os limites que separam as individualidades das pessoas talvez não possam ser tão cartesianamente estabelecidos. Olhando de perto, as diferenças diminuem e você talvez seja um pouco de mim. Ou vice-versa. Sei lá.
“E aí, beleza? Quer conversar com a gente?”. Foi assim que começamos as conversas. Nem sempre rendeu. Nem sempre fomos bem recebidos. Mas sempre valeu a pena.
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O Elias é uma figura falante conhecida de quem costuma passar pela Avenida Paulista. Morador de rua há alguns anos, seu grande arrependimento é nunca ter se declarado para uma menina da sua turma, na adolescência, quando ainda morava no Ceará. “As regras do grupo não deixavam a gente beijar gente de dentro. Havíamos combinado isso. Por isso nunca falei com ela. Sofro até hoje com isso”. Perguntado sobre o nome dela, Elias responde: “Não lembro… deixa eu pensar… (grande silêncio) Na verdade eu me esforcei pra esquecer. Do rosto dela, inclusive. Também tento esquecer. Para doer menos”, completou secando com as mãos os olhos marejados.
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A Giovanna é do interior do Rio Grande do Sul e acaba de chegar a São Paulo. Veio fazer faculdade de artes plásticas e desenvolver sua linguagem artística. Desenha desde que se dá por gente. Tímida em um primeiro momento, quase a ponto de não entendermos o porquê dela ter aceitado conversar conosco, foi se soltando na medida em que descrevia sua sede por comunicar-se com o mundo por meio da sua arte. Perguntada sobre o que mais gosta em uma cidade como São Paulo, a Giovanna diz que são os seus amigos da faculdade: “Eles pensam como eu. Antes eu só conhecia pessoas que pensavam diferente de mim. É bom estar acompanhada”. Sobre a maior diferença entre os amigos da sua idade e outras pessoas mais velhas, responde prontamente: “Somos mais cabeça-aberta. Aceitamos mais as pessoas. É ruim quando não estamos dispostos a entender quem são as pessoas”.
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Mário não quis saber de contar muitos detalhes da sua vida. No lugar de uma conversa mais tradicional, preferiu brincar com a gente. Dançava e cantava. E sorria, não parou de sorrir. Depois que pedimos para tirar fotos, sorriu com ainda mais vontade, se é que isso era possível. O terço católico gigantesco e o chapéu rosa eram peças que atraiam a atenção de quem passasse por perto. “O chapéu é rosa, mas meu neto disse que não é gay. E se fosse gay, tudo bem. Tanto faz”, disse para logo em seguida voltar a dançar.
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A irmã Sacramento tem 84 anos e é freira dede os 18. Veio do Japão no ventre da mãe em 1932, na época em que a guerra já causava muita dor para a população. Foram 40 dias de navio. “Não queria estar no mundo, desse jeito que ele é, então escolhi ser freira e dedicar minha vida a algum propósito”. Mas irmã, o que você gostaria de ser, se não freira? “Ah… Eu gostaria de ser artista!”. Para nós, a resposta fez todo o sentido, dialogando com todo o cuidado estético apresentado pela irmã, das suas roupas ao seu jeito de se expressar, do seu olhar ao seu sorriso. “Eu sou a palhaça lá do convento. Sou eu que faz as pessoas rirem”.
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Rosa e Maria são peruanas e estavam no Brasil pela primeira vez, para uma conferência de negócios. Disseram que gostaram, mas não disseram com muita convicção. “Tivemos pouco tempo para conhecer bem. Numa próxima queremos vir com mais tempo, para visitar mais lugares”. O que vocês acharam dos brasileiros? “Conversamos com poucos. Parecem simpáticos. Mas estão sempre falando para tomarmos cuidado. Cuidado com as bolsas, com os celulares, carteira. Sinto que estão sempre em estado de alerta”, resumindo assim a paranoia paulistana com a segurança pública da cidade, quase como se estivessem sugerindo: cara, relaxa, tá tudo mal, mas tá tudo bem.
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O Márcio e a Dayane acabaram de fazer 18 anos. Moram longe e estavam na Avenida Paulista distribuindo currículos. Diziam que agora eram adultos e precisavam trabalhar. Pior, trabalhar para conseguir continuar estudando, dessa vez na faculdade. “Tenho saudades de estar no colégio. Na época eu sonhava em estar aqui, formado, pronto pra trabalhar, mas agora vemos como a situação é complicada. O bom de ser adulto é ter mais liberdade, o ruim é ser uma fase muito mais série e de muita responsabilidade. Temos vários amigos que já acharam um emprego. Mas a gente ainda não. Dá vontade de voltar a ser criança, de vez em quando”. Perguntados se tinham alguma preferência de trabalho, responderam rindo um para o outro: “Preferência? Até parece… O que vier é lucro. Precisamos da grana. Vale tudo”. O sonho deles é ter um carro, para irem aonde quiserem ir.
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O José Reinaldo é de Minas Gerais, mas mora no Rio de Janeiro há décadas. Trabalha com fundos de investimento e já adquiriu sua independência financeira. “Hoje eu equilibro muito as coisas. Gosto de trabalhar, mas também invisto meu tempo naquilo que gosto, nos meus hobbies. É importante. Equilíbrio é importante, a gente aprende isso com o tempo”. A certa altura fomos parar nas vantagens e desvantagens entre Rio e São Paulo, para onde ele viaja a trabalho com frequência e onde também já morou: “Gosto muito das duas. Acho que elas se completam. Pena que tanta gente não enxerga isso. São Paulo é uma cidade aberta pro mundo, se você quiser entender o que de melhor está acontecendo no mundo, tem que estar aqui. Rio é uma vida ao ar livre muito gostosa, é poesia. Gosto de estar nas duas porque essa dualidade me traz equilíbrio. E Minas… ah Minas é infância, é família. Viver entre tudo isso é uma oportunidade incrível. Sempre fui esse cara conciliador, que tenta enxergar a parte boa de tudo. Isso é algo que não falta quando falamos de Rio e Sampa: coisas boas”.