Infame

Eu não escrevo sobre racismo porque eu odeio os brancos

"Você não consegue imaginar o que é ser negro, mas eu consigo imaginar o que é ser branco."

Por Ezinne Ukoha |  06 de julho de 2017

Eu não escrevo sobre racismo porque eu odeio os brancos.

É porque eu odeio o que está acontecendo com os negros.

Parece haver uma crescente animosidade entre os brancos, que é negada pelo impulso da mídia de expor as atrocidades que as pessoas de cor estão sendo submetidas—particularmente pela aplicação da lei.

A intensidade aumentou no verão de 2014. A morte de Michael Brown e Eric Garner, assim como as de Alton Sterling e Philando Castile, foram um despertar brutal que expôs o que era, claramente, uma crise em curso.

A primeira vez que fiquei ciente da tortura sistemática dos negros foi em 1999.

Eu era relativamente nova em Nova York e enquanto eu me acostumava com a ideia de chamá-la de casa — os moradores ficaram impressionados com o alarmante boletim de notícias sobre um imigrante africano que foi morto por policiais brancos do lado de fora do seu apartamento no Bronx.

Amadou Diallo foi baleado 41 vezes por homens que não usavam uniformes. Eles o abordaram quando ele estava voltando de um jantar.

Ele parecia suspeito. Não é sempre assim que se passa a história?

Ele se encaixava na descrição de um suspeito à solta. Uma vez que eles se identificaram—ele supostamente tentou escapar.

E então ele fez o que acabou sendo o pior erro de sua vida. Ele mexeu a mão como se fosse pegar uma arma.

Um homem negro tentando pegar uma arma quando os policiais estão prontos para atacar é uma sentença de morte.

Então ele morreu em uma chuva de balas.

Mais tarde, a investigação concluiu que ele estava realmente tentando pegar sua carteira. Ele provavelmente pensou que poderia salvar sua vida ao provar aos oficiais que ele não era quem eles procuravam.

Mas cada pessoa de cor é um alvo. Eles presumem que somos culpados porque é assim que funciona a lei.

Dois anos antes do assassinato de Diallo — Abner Louima, que era originalmente do Haiti, foi preso em frente a uma boate no Brooklyn, NY.

Seu crime?

Tentar apartar uma briga entre duas mulheres. Os policiais apareceram, as coisas ficaram caóticas e Louima foi levado para a delegacia sob acusações que incluíam “desordem” e “resistência à prisão”.

Um dos oficiais alegou que Louima tinha lhe dado um soco de surpresa.

O que era mentira.

Era apenas uma desculpa e a oportunidade perfeita para os impacientes policiais brancos exercerem seu poder, colocando em prática suas fantasias doentias.

Não só espancaram Louima como um animal — ele foi brutalizado de uma maneira que está além da compreensão humana.

Os detalhes ainda assombram a minha alma quase vinte anos depois.

O policial Justin Volpe, que atualmente está cumprindo uma pena de 30 anos de prisão, liderou o ataque que deixou Louima com dentes quebrados, e com o cólon e bexiga danificados.

Quem enfiaria um desentupidor de pia no ânus de um indivíduo já maltratado?

Um babaca. Um babaca branco? Um policial branco à solta?

Como descrevemos adequadamente a mentalidade dos policiais brancos que não levam em conta a dignidade dos negros?

Como podemos resumir os anos de terrorismo que a América negra suportou nas mãos dos homens brancos no poder?

Homens brancos com distintivos, que julgam aptos atirar em um homem em seu carro enquanto sua namorada e sua filha observam com horror.

Qual é a explicação exata para uma mulher negra que se vai ao seu primeiro dia de trabalho—é parada pela polícia e morre três dias depois porque ela tinha a cor da pele errada?

Por isso escrevo sobre racismo.

Não é um ataque à comunidade branca. Não tenho ódio ou a má vontade com os meus colegas brancos.

Você não consegue imaginar o que é ser negro, mas eu consigo imaginar o que é ser branco.

Eu tinha a liberdade de saber que não seria morta ou assediada por causa da minha etnia quando morava na Nigéria.

Mas ser americana é uma coisa totalmente diferente.

É uma condição mortal que é exclusivamente atribuída a pessoas que se parecem comigo.

Nenhuma pessoa branca jamais vai querer compreender a realidade que enfrentamos no momento em que saímos para as ruas.

Existe essa conversa de que somos propensos a atividades criminosas devido à nossa natureza primitiva.

É muito melhor nos controlar como animais porque facilita a internalização do pesadelo de nossa existência.

Os negros são imbecis preguiçosos que se recusam a aproveitar a liberdade que conquistaram há séculos.

O comércio de escravos não os ensinaram nada.

Então, os policiais racistas precisam trabalhar horas extras para proteger os cidadãos dignos de nossas tendências incivilizadas.

Errado.

Somos seres humanos e merecemos respeito.

Se as pessoas brancas são capazes de dar um jeitinho e escapar de uma multa – então deveríamos ter esses mesmos privilégios.

Se o meu colega branco pode ser parado pela polícia e educadamente processado sem problemas—eu deveria poder experimentar esse privilégio.

Se meu namorado se meteu em uma briga que ele estava tentando apartar—ele deveria ter a chance para se explicar da mesma maneira que um cara branco que trabalha em Wall Street.

Essa não é a nossa realidade.

Por isso escrevo o que eu escrevo — quando eu escrevo.

Eu sou uma mulher negra alvo de possíveis sacanagens de policiais brancos renegados. Tenho familiares e amigos que podem receber o mesmo tratamento.

A escravidão ferrou com a gente.

Imagine seus antepassados acorrentados—sufocando na barriga de um navio indo para seu destino despedaçado.

Nunca fomos destinados a superar esse desastre. Muitas contas a pagar—não há tempo suficiente.

Ganhamos o direito de pirar até o juízo final.

E enquanto isso—continuarei escrevendo para o meu povo.

É para eles — não para você.

Mas, você pode se juntar a nós—sempre que sentir o desejo.

 

 

Ezinne Ukoha

Ezinne Ukoha

Ezinne Ukoha nasceu em São Francisco, nos EUA e cresceu em Lagos, Nigéria. É formada em língua inglesa com ênfase em jornalismo pela Universidade do Missouri, EUA. Desde então tem contribuído para inúmeras publicações, incluindo, Essence, MadameNoire, Huffpost e Thought Catalog. Está atualmente escrevendo um livro de poesias. Leia o original e os outros ensaios de Ezinne Ukoha aqui.