Olá. Sou a Manu. Nunca me envolvi em papos de bebês e não participava de rodas de conversa de mães e pais sobre suas dificuldades na criação de filhos. Para falar a verdade, eu não tinha a menor paciência para esse tipo de coisa. Muito menos tinha ouvido falar (ou procurado saber) sobre primeira infância, parto natural, doula, brincar livre, e por aí vai… Meu espectro de interesses passava longe, bem longe de tudo isso, imergida na agitada vida urbana que eu levava. Mas hoje queria contar sobre como nasceu nossa creche familiar. Isso mesmo, essa menina que acabo de descrever resolveu montar uma creche familiar: o mundo é um lugar esquisito.
Tudo começou quando resolvemos adotar um cachorro. E depois desse um, o primeiro, mais um, o segundo. Descobri em mim um ser bastante protetor, preocupado e amoroso. A vontade foi então surgindo. Não planejamos muito, mas também não evitamos, e foi assim que um dia descobrimos que eu estava grávida.
Desde que me tornei mãe da Martina no ano passado, tenho pesquisado muito sobre o tema da primeira infância e sobre novas formas de cuidar e educar os filhos. Quando ela nasceu, ficamos os dois primeiros meses na casa da tia do meu marido, na Granja Viana, e fomos visitar a Casa Redonda, uma escola que mexeu com nossos conceitos pré-estabelecidos de educação infantil. Vimos as crianças pequenas livres para curtir a natureza e aproveitar as diferentes estações de brincar especialmente preparadas para esse momento tão especial da vida, acompanhadas por educadores preparados, que estavam ali apenas para facilitar e não para impor regras e horários. Eu não sabia, mas os primeiros 3 anos são responsáveis pela maior parte das sinapses que fazemos na vida. Uma outra forma de dizer que, dificilmente, em outro momento teremos uma oportunidade tão grande para desenvolver nossa mente e segurança emocional.
Foi nessa época que lançaram o filme “O Começo da Vida”. Li sobre o modelo de escola para primeira infância em Reggio Emilia, na Itália, sobre a médica Emmi Pikler e seus estudos e experiências voltadas à autonomia dos bebês, assistimos o filme “Território do Brincar”, o documentário “Sementes do Nosso Quintal”, descobrimos sobre a Escola da Ponte, tudo ao mesmo tempo em que tentava entender o que estava acontecendo comigo, mãe de primeira viagem, frágil, sofrendo com as angústias de cuidar de um bebezinho.
Nesses primeiros meses de licença dupla também aproveitamos para visitar alguns berçários, escolas, conversar com especialistas e participar de eventos relacionados a esse universo educacional. Lembro, por exemplo, de visitar um atelier que produz mobiliários voltados ao pleno desenvolvimento motor dos bebês. Cheguei a pensar em montar um berçário ou uma escola focada nos três primeiros anos, para a qual até tentamos desenvolver um plano de negócios. Achei aquilo tudo o máximo.
A minha licença estava chegando ao fim, meu marido, o Marcus, já tinha começado a trabalhar em uma nova empresa, minha mãe e minha sogra, apesar de ajudarem muito, não poderiam ficar com a pequena durante todo o tempo. Não curtia a ideia de deixá-la com uma babá o dia todo, além da questão dos custos. Não sabia o que fazer. Até que, ao dividir essa dúvida com algumas amigas que viviam a mesma fase, surgiu a ideia meio maluca de montar algo em casa, entre famílias. Porque não? De onde vem a autoridade investida nessas pessoas que decidem que isso aqui é normal e aquilo é maluquice? Eu, particularmente, não sei responder.
Atualmente somos 4 mães, duas cuidadoras e 4 bebês, além dos 4 pais, vovós, ajudantes amorosas e 2 cachorros. Começamos a colocar em prática a crechinha em agosto do ano passado. Para ambas as cuidadoras, o modelo acabou sendo uma boa alternativa, pois nossa creche familiar (Quintal do Limoeiro rsrs) funciona meio período (6 horas), enquanto na escola elas acabavam ganhando menos para trabalhar mais tempo. Além disso, quando precisam, elas ainda podem levar seus filhos mais velhos à nossa casa, para brincar com as bebês. É uma convivência bem gostosa. Aliás, que redundância. Convivência, está aí algo que era para ser só isso mesmo: gostoso, apesar do nosso estilo de vida tentar nos convencer do contrário. Eu e o Má chegamos até a mudar de casa para acomodar melhor a crechinha. É cansativo, trabalhoso, mas muito recompensador. E assim vamos, adorando a tudo e todos, tentando aprender o que significa ensinar.
Lá em casa também tem a Rita, que trabalha conosco, ajuda a cuidar da casa, dos cachorros, e também dá um super apoio para as meninas. Juntas fazemos compras coletivas de frutas e também pensamos nos materiais necessários para melhorar o espaço e tornar o ambiente cada vez mais lúdico e adequado para as bebês, respeitando o livre brincar e a autonomia delas.
Muita gente se interessa pela nossa creche e pensei que esse relato poderia inspirar outras famílias. Isso é comum na Europa, na França descobri que o nome é “garde partagée”, algo como “guarda conjunta” das crianças. Penso que criar filhos em rede me parece a melhor opção para o nosso estilo de vida e acho que é uma ótima forma de aprendermos a ser mais colaborativos nessa sociedade maluca e egoísta, bem como uma forma de cuidarmos uns dos outros. É uma lição diária. Acho que é por isso gosto tanto daquele ditado: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Sei que somos privilegiadas, não é uma solução que está disponível para todo mundo, mas buscar soluções no coletivo, entre vizinhos, em comunidade, é uma ferramenta muito poderosa para empoderar famílias, de qualquer classe social.