Infame

É Assim que Se Encontra um Propósito

Charles Chu recupera uma antiga carta do escritor Hunter S. Thompson com grandes conselhos sobre como viver uma vida com sentido.

Por Charles Chu |  22 de junho de 2017

É assim que você descobre o seu propósito.

Em 1958, Hunter S. Thompson ainda não era famoso.

Ele ainda não tinha conhecido Johnny Depp, que se tornaria um de seus amigos mais próximos. Ele ainda não tinha escrito “Medo e Delírio”, seu romance mais conhecido. Ele não tinha sequer descoberto seu estilo pessoal de reportagem, que fundaria o movimento conhecido como “jornalismo gonzo”.

Afinal de contas, ele tinha apenas 22 anos.

Aqui está o que Hunter S. Thompson fez em 1958… Ele escreveu uma carta a um amigo. Mas não era uma carta qualquer. É um dos textos mais profundos sobre como viver, que eu já li.

22 de abril de 1958

Perry Street, 57, Nova Iorque

Caro Hume,

Você pede conselhos: ah, que coisa mais humana e perigosa de se fazer! Pois dar conselhos a um homem que pergunta o que fazer com sua vida, implica em algo que beira a egomania. Achar que mostrar a um homem o objetivo certo e final – apontar com um dedo trêmulo na direção certa – é algo que só um tolo faria.

Eu não sou tolo, mas eu respeito sua sinceridade em pedir meu conselho. Peço-lhe, no entanto, ao ouvir o que eu digo, que você se lembre que todos os conselhos apenas são um produto do homem que os dá. O que é verdade para um, pode ser um desastre para outro. Eu não vejo a vida através dos seus olhos, nem você através dos meus. Se eu fosse tentar lhe dar algum conselho em especial, seria como um cego guiando outro cego.

“Ser ou não ser: eis a questão: será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e setas, com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja, ou insurgir-nos contra um mar de provações (…)” (Shakespeare)

E, na verdade, essa é a pergunta: boiar com a maré, ou nadar em direção de um propósito. É uma escolha que todos nós devemos fazer conscientemente ou inconscientemente em algum momento de nossas vidas. Pouquíssimas pessoas entendem isso! Pense em qualquer decisão que você já tomou, que tenha influência no seu futuro: talvez eu esteja errado, mas não vejo como poderia ser outra coisa senão uma escolha indireta – entre as duas que eu mencionei: boiar ou nadar.

Mas por que não flutuar se você não tem objetivos? Essa é outra questão. É, sem dúvida, melhor boiar, do que nadar na incerteza. Então, como um homem encontra um objetivo? Não um castelo nas estrelas, mas uma coisa real e tangível. Como pode um homem ter certeza de que ele não está em busca do paraíso perdido, o doce objetivo atraente que tem pouco gosto e nenhuma substância?

A resposta – e, de certa maneira, a tragédia da vida – é que procuramos entender o objetivo, e não o homem. Estabelecemos um objetivo que exige de nós certas coisas: e fazemos essas coisas. Ajustamo-nos às exigências de um conceito que NÃO PODE ser válido. Digamos que você queria ser bombeiro quando jovem. Eu me sinto razoavelmente seguro em dizer que você não quer mais ser um bombeiro. Por quê? Porque sua perspectiva mudou. Não é o bombeiro que mudou, mas você. Todo homem é a soma total de suas reações à uma experiência. À medida que suas experiências diferem e se multiplicam, você se torna um homem diferente e, portanto, sua perspectiva muda. Isso nunca para. Cada reação é um processo de aprendizagem; cada experiência significativa altera sua perspectiva.

Então, seria tolice, não é mesmo? Ajustar nossas vidas às exigências de um objetivo que vemos de um ângulo diferente a cada dia? Como poderíamos esperar alguma coisa além de uma neurose galopante?

A resposta, então, não deve passar pelos propósitos, pelo menos não com objetivos tangíveis. Haja papel para escrever a conclusão dessa história. Só Deus sabe quantos livros foram escritos sobre “o conceito de homem” e esse tipo de coisa, e só Deus sabe quantas pessoas pensam sobre esse assunto. (Eu uso o termo “só Deus sabe” puramente como uma expressão.) Não faz muito sentido tentar explicar para você de forma resumida, porque eu sou o primeiro a admitir minha absoluta falta de qualificação para sintetizar o sentido da vida em um ou dois parágrafos.

Eu vou evitar a palavra “existencialismo”, mas você pode mantê-la em mente como uma palavra-chave. Você também pode tentar uma coisa chamada “O ser e o nada” por Jean-Paul Sartre, e outra coisinha chamada Existencialismo: De Dostoievsky a Sartre. Apenas sugestões. Se você está realmente satisfeito com o que você é, e o que você está fazendo, então fique longe desses livros. (Não cutuque a onça com vara curta.) Voltando à resposta. Como eu disse, colocar nossa fé em metas tangíveis seria, na melhor das hipóteses, imprudente. Então, nós não nos esforçamos para ser bombeiros, nós não nos esforçamos para ser banqueiros, nem policiais, nem médicos. NÓS NOS ESFORÇAMOS PARA SER NÓS MESMOS.

Mas não me entenda mal. Não quero dizer que não podemos SER bombeiros, banqueiros, médicos – mas que temos que adaptar o propósito ao indivíduo, ao invés de adaptar o indivíduo ao propósito. Em cada homem, a hereditariedade e o ambiente se combinaram para produzir uma criatura com algumas habilidades e desejos – inclusive uma necessidade profundamente enraizada para que de alguma forma, sua vida tenha SIGNIFICADO. Um homem tem que SER algo; Ele tem que importar.

No meu modo de ver, a fórmula funciona assim: um homem deve escolher um caminho que permita suas HABILIDADES funcionarem com a máxima eficiência, mirando a gratificação de seus DESEJOS. Ao fazer isso, ele está cumprindo uma necessidade (dando uma identidade a si mesmo, funcionando em um padrão definido rumo a um objetivo definido), ele evita frustrar seu potencial (escolhendo um caminho que não coloque limite algum em seu autodesenvolvimento), e ele evita o terror de ver seu propósito murchar ou perder o charme ao se aproximar dele (em vez de se entortar para atender às necessidades do que ele procura, ele entorta seu propósito para se adaptar a suas habilidades e desejos).

Em suma, ele não dedica sua vida a alcançar um objetivo pré-definido, mas sim um jeito de viver que ele sabe que vai gostar. O propósito é absolutamente secundário: é o que se faz até alcançar o objetivo importante. E parece quase ridículo dizer que um homem DEVE funcionar em um padrão de escolha própria; pois deixar outra pessoa definir seus próprios objetivos, é abrir mão de um dos aspectos mais significativos da vida – o ato definitivo de ter uma vontade, que faz do homem um indivíduo.

Vamos supor que você ache que tenha uma escolha de oito caminhos a seguir (todos os caminhos pré-definidos, é claro). E vamos supor que você não consiga ver nenhum propósito real em nenhum dos oito. Então – eis a essência de tudo que eu disse – você TEM QUE ENCONTRAR UM NONO CAMINHO.

Naturalmente, não é tão fácil quanto parece. Você leva uma vida relativamente estreita, uma existência vertical ao invés de horizontal. Portanto, não é muito difícil de entender o que você está sentindo. Mas um homem que procrastina sua ESCOLHA, terá sua escolha feita pelo acaso.

Então, se agora você está entre os desiludidos, não há outra escolha a não ser aceitar as coisas como elas são, ou procurar algo diferente. Mas cuidado com a procura de objetivos: procure um estilo de vida. Decida como você quer viver e depois veja o que pode fazer para ganhar a vida dentro desse estilo de vida. No entanto, você diz: “Eu não sei para onde olhar; eu não sei o que procurar. ”

E esse é o ponto crucial. Vale a pena desistir do que tenho para procurar algo melhor? Eu não sei – será? Quem mais pode tomar essa decisão além de você? Mas até essa DECISÃO DE PROCURAR será bastante útil quando você fizer a escolha.

Se eu não parar agora, eu vou acabar escrevendo um livro. Espero que não seja tão confuso quanto parece à primeira vista. Tenha em mente, é claro, que esse é à MINHA MANEIRA de encarar as coisas. Eu acho que funciona assim, mas talvez não para você. Cada um de nós tem que criar o nosso próprio credo – esse por acaso é o meu.

Se qualquer parte não parece fazer sentido, por favor me chame a atenção. Eu não estou tentando mandar você em busca de Valhalla, mas apenas indicando que não é necessário aceitar as escolhas que lhe são transmitidas pela vida como você a conhece. Há mais do que isso – ninguém TEM que fazer algo que não quer fazer para o resto da vida. Mas, repito, se é isso que você acabou fazendo, por favor se convença de que você tinha que fazê-lo. Você terá muita companhia.

Por agora é só. Até a próxima, eu continuo,

seu amigo,

Hunter

Eu encontrei esta joia em “Letters of Note”, uma bela coleção de 100 ou mais cartas particulares de figuras notáveis que vão de Kurt Vonnegut e Marlon Brando até Abraham Lincoln, Gandhi, Rainha Elizabeth II e muito mais.

Dê uma pausa do mundo da escrita que é “ciência pop” e “livros de negócios” e passe algum tempo com as cartas particulares e memórias de grandes homens e mulheres …

Há mais magia nas páginas do que você espera.

Charles Chu

Charles Chu

Charles Chu é escritor nos Estados Unidos.