– Como você tá? – a mensagem dele no celular perguntava.
– Grávida.
Pausa.
Mais que pausa: um buraco, uma cratera no tempo, feita de silêncio e espanto, mesmo com os próximos minutos preenchidos pela nossa conversa por telefone. Você tá muito triste? Não, nada triste – a preocupação anterior, acendida pelo atraso mestrual, se dissolvia; se dissolvia na mesma medida em que tudo ao redor – a sala onde eu estava, os objetos, cada coisa – perdia seu lugar de sempre para assumir, ainda que idêntico, o estatuto de novo. Tudo reluzia diante daquela notícia, pela segunda, pela terceira vez: para mim, depois de quase sete anos; para ele, depois de quase onze. A idade dos nossos filhos.
Nos próximos dias, junto com a concretude concedida pela gravidez – os sentimentos viram sensações, tudo físico, embebido de fome e sono –, o novo que começava a crescer se fez pergunta: e agora?
Porque eu sabia. Eu sabia que, para gestar, nos despimos da palavra (a concretude), tirando camada por camada do cotidiano, que no entanto segue à nossa volta, estranho amparo que não nos serve mais; eu sabia do início e seu imperativo de entrega. Horas de dedicação, todas elas: a doação por inteiro. Eu sabia de esperar, amamentar, limpar, banhar, cuidar; dos primeiros passos, das vacinas, do cansaço, das febres, da adaptação na escolinha, das manhas, das noites sem sono que se estendem por dias, por meses, por anos.
O tempo do filho.
O tempo do filho, que ocupa, toma o lugar, que – sim – rouba o tempo dos pais. Justo agora, que nossos filhos não dão mais tanto trabalho, já tomam banho sozinhos, tiram a louça da mesa, se entendem, se viram? Justo agora, que estou conseguindo escrever? E minha pilha de próximos livros, criteriosamente postada do meu lado da cama? Pra quando ficará? E meu trabalho? E meus planos? E meu tempo?
Sim, eu estava também triste. E em dúvida, estado de pergunta, sem rastro a seguir – pois é isto o novo. E enquanto o futuro se fazia não diante, mas dentro de mim – um futuro palpitante, mas ainda calado –, perguntei ao silêncio que ele emanava, e que me remeteu a outro silêncio, mas que também era o mesmo: o tempo do meu outro filho, já iniciado, já compartilhado, um pouco já vivido. E então entendi.
Depois do nascimento de B., a angústia vaga que eu sempre senti sumiu. Para a pergunta “o que eu vou fazer da minha vida”, eu já tinha uma resposta cotidiana, imperativa, e que, num estranho paradoxo, me liberou de alguma forma para fazer tantas outras coisas que eu sempre planejei fazer, simplesmente por ter tirado de cada uma delas o estatuto de definitiva. Entrei no mestrado, ainda amamentando; mudei de trabalho; me separei. Decidi escrever; escrevi; publiquei um livro. Tudo isso enquanto B. fazia 2, 3, 5, agora 7 anos.
O filho – entendi – não rouba o tempo, mas agudiza a percepção da sua passagem. Porque inaugura. Inaugura o próprio sorriso e, no outro, um outro; inaugura seus passos. A cada mês, uma conquista; a cada instante, a cada ano. As primeiras palavras faladas; as primeiras palavras escritas.
O filho ilustra, bem diante de nós, o que antes não víamos: a passagem do tempo, que se daria de toda forma, sem que nos déssemos conta. Sete anos se passariam de qualquer jeito: mas B. me concedeu as páginas em que, diante de mim, e tantas vezes comigo, ele desvela sua história. A vida seguiria inevitavelmente, mas o filho nos grita essa verdade a cada dente que cai, a cada mordida na escola, ou quando passa no vestibular. Marcos de sua existência. Da nossa.
(E então, lá vamos nós para outro início, ainda que o mundo esteja feio e difícil, ainda que esta seja a nossa história, singular, e que a opção de ter ou não filhos é de cada pessoa: cada um, uma inauguração prévia mas sempre atual; cada um, infinitas possibilidades).