Lembro-me claramente do que minha mãe disse quando nos despedimos no aeroporto: “Você não precisa fazer isso. Você não tem que provar nada para ninguém”. E por mais difícil que fosse ver a minha mãe num ato desesperado, tentando me convencer a ficar, só pude responder: “Eu não estou fazendo isso por ninguém, só por mim. Eu sou a única pessoa com quem vou ter que conviver pelo resto da minha vida, e é isso o que eu quero fazer”.
Eu não enxergava outra saída para me livrar da insatisfação e dos conflitos internos que a imposição social de uma fórmula externa me causava. Qualquer coisa parecia melhor do que o caminho padrão, aquela prisão disfarçada de segurança. E o ímpeto de largar tudo para viajar não parecia vir da vontade de me conhecer. Muito pelo contrário, eu achava, com uma dose de prepotência, que me conhecia muito bem, justamente por ter tido a coragem de largar um estilo de vida formatado e viajar por 9 meses pela Ásia. O objetivo era conhecer o desconhecido.
Embora apenas 2 meses tenham sido dedicados à Índia, esse foi um dos lugares que tiveram o maior impacto sobre mim durante a viagem. Foi uma overdose diária de coisas novas, os sentidos trabalhando a pleno vapor a todo momento: cores, cheiros, sons e gostos intensos.
Foi na Índia que vi o chão sob os meus pés desaparecer várias vezes. Saltei de um táxi em movimento durante a madrugada, porque o taxista se recusava a me deixar no hotel que havia reservado, provavelmente buscando receber comissão de um concorrente; sofri um sequestro relâmpago por um grupo de supostos amigos, que tentaram me fazer comprar pedras pretensamente preciosas para uma revenda em tese garantida e lucrativa; fui vítima de assédio sexual, ao ser aberta e agressivamente abordado por um guia que queria ter relações comigo. E lá também me surpreendi positivamente em diversas ocasiões: tive o privilégio, numa cidade considerada das mais miseráveis, de ser hóspede da pessoa mais cheia de energia e apaixonada pelo Brasil; enquanto andava de bicicleta por um vilarejo, recebi um carinhoso convite para dividir uma refeição com um idoso e sua família – uma das minhas melhores experiências gastronômicas -; vivenciei uma tentativa de venda de objetos de decoração por uma criança transformar-se em um pequeno ciclo de conversas diárias e brincadeiras infantis com o menino que possuía o olhar mais doce que já vi.
Esse processo de desfazimento das minhas certezas e seguranças trouxe para mim a autoconsciência. Ao testarmos nossos limites, enfrentarmos medos, passarmos por momentos de extrema felicidade e prazer, perpassamos aquilo que é superficial e ilusório e nos vemos reduzidos ao que verdadeiramente somos. É isso que a viagem pela Índia faz. Coloca-nos de frente com o nosso âmago, escancarando nossas qualidades e defeitos.
Pouco a pouco, percebi que os acontecimentos, prazerosos ou difíceis, eram frutos de decisões e condutas minhas: ir para esta ou aquela cidade; pegar um voo que pousava em um lugar desconhecido tarde da noite; dar continuidade a uma conversa com estranhos; entrar em um determinado templo; fazer este ou aquele trajeto de bicicleta; rejeitar ou receber, de coração aberto, uma criança que só pedia dinheiro. Tudo aquilo que eu enxergava como sendo prejudicial ou benéfico, antes ou durante a viagem, era nada mais do que o resultado das ações que eu tomava. E foi esse aprendizado sobre mim mesmo que vem me ensinando a fazer escolhas mais adequadas e conscientes.
A Índia é um lugar intenso, e assim também é a experiência de uma viagem por lá. Talvez por isso se escute que ou você ama a Índia ou você a odeia. Mas não acredito que o sentimento despertado pela viagem seja em relação ao país, e sim em relação ao que nós revelamos para nós mesmos. É essa exposição que gera o amor ou o ódio justamente ao que faz de nós aquilo que somos. Bonito ou feio, é o que temos dentro de nós.