– Tomara que o Vito fique contente.
Os pés sentiram o frio do chão de pedra logo ao atravessar a porta de vidro. A cabeça parecia mais pesada com a toca vermelha que escondia os cabelos brancos.
Vito não saía do pensamento.
Ele sorrindo. Brincando. Fazendo arte em sua casa, toda vez que o pai e a mãe tinham que trabalhar.
E também o pedido dele.
Dona Diva olhou para a água. Respirou fundo, inventando de recuperar um fôlego que ela ainda nem tinha perdido. Talvez fosse sua grande chance.
– Dá licença…
A voz baixa mal chamou a atenção. Apenas uma das mulheres que já se aqueciam na água virou-se sorridente, dando boas-vindas. Diva correspondeu amedrontada. As senhoras continuaram conversando entre si. O professor, um simpático jovem chamado Hector – nome bonito, ela achou –, não havia aparecido.
Diva não sabia muito bem como funcionavam as aulas de natação no clube. Se era preciso se aquecer, se alongar ou se tinha qualquer outra preparação que precedia a aula. Não sabia como entrar na piscina. Não sabia o que iria fazer com seu medo de nadar.
Seu corpo tremia perto da borda e não era frio.
Pensou em desistir, mas na sequência pensou em Vito.
Com o menino em sua mente, avançou lentamente para a piscina. Alguns passos depois, o dedo maior do pé esquerdo, com a unha vermelha por causa da festa da Tininha, foi desafiado a conferir a temperatura da água. Quando estava prestes a se molhar, uma vertigem e dois passos para trás. Um esforço momentâneo para não tombar de costas e um banco, próximo dali, para acomodar os sentimentos.
Ninguém parecia se importar com o que estava acontecendo com a nova companheira. As futuras colegas continuavam seus exercícios. Sentada no banco gelado, teve a convicção de que aquilo não era para ela. Devia ter falado sobre sua inexperiência na matrícula. Talvez fosse melhor.
Hector, o professor, surgiu em sua ilusão, tentando acalmá-la:
– Vai dar tudo certo, Diva.
No relógio pendurado na parede a hora do início da aula já tinha chegado. Nenhum sinal de Hector.
Na piscina, as senhoras se movimentavam cada vez mais. Diva esperava algo do lado de fora.
No próximo verão, dali a dois meses, a família tinha combinado de ir passar as férias em Santos. Era um ideia que os filhos há tempos comentavam e, enfim, tinham conseguido conciliar as agendas para fazer a viagem. A mãe, lógico, era convidada de honra.
O assunto rondava a casa. Diva, vez ou outra, dava de sonhar a noite inteirinha com o mar. Em alguns cochilos, encarava o oceano e até nadava de braçadas. Acordava emocionada com o barulho das ondas e o cheiro da maresia. Que pouco depois era substituído pelo gosto de café, e tudo se perdia até o sonho seguinte.
O professor Hector não chegava. As companheiras começaram a nadar de um lado para outro. Tinha uma que tentava nadar borboleta e era engraçado. Tão engraçado como Soraya, a neta mais velha, de quem acabou se lembrando. A menina estava tão ansiosa com a viagem que já havia comprado um biquíni novo, que vivia desfilando para todos. Ainda anunciava, com toda antipatia, que daquele verão em diante – quando conheceria o mar – seu nome seria Sereia.
O irmãozinho caçula de Soraya era o Victor, que Diva chamava de Vito. Vito! Vito! Vito! Seu xodó aquele menino, o preferido. Um dia ele chegou em silêncio na cozinha, enquanto Diva preparava o almoço, e fez um pedido:
– Você me leva no mar, lá em Santos, vó?
Ela não conseguiu responder Vito. Mas Vito resolveu entender a resposta como bem quis e em algum lugar da cabeça dele a vó tinha prometido tantos mergulhos que resolvera espalhar para todo mundo, em casa, na escola, e em todo lugar que fosse – até para estranhos.
Vito queria ir no mar com a vó Diva.
Vó Diva também queria ir no mar com Vito.
– A senhora deve ser a dona Diva, não?
Diva viu ao seu lado uma jovem muito bonita sorrindo para ela. Devia ser uma assistente qualquer do professor Hector, já que vestia um maiô azul com o nome do clube. Ela respondeu à pergunta, com um gesto de positivo.
Muito simpática, a moça indicou a piscina:
– A senhora já pode entrar com suas companheiras. Eu sou Luiza e vou dar aula para a turma de vocês.
– E o professor Hector?
– O Hector deixou o clube faz uma semana. Hoje é comigo! Vamos?
Não tinha mais saída. Ainda sentada no banco, Diva abaixou a cabeça e colocou as mãos no rosto. Ela estava confiando tanto em Hector. Nome bonito aquele, dava tanta segurança para ela.
– A senhora está bem? – perguntou a nova professora.
Na escuridão das suas mãos, Diva reencontrou Dalila, sua irmã mais velha, que um dia resolveu ir escondida ao mar. Como nos sonhos, Diva olhou a imensidão do oceano, ainda com seus cinco anos, e viu Dalila sumir entre as ondas para nunca mais aparecer.
– Estou bem sim.
Diva levantou-se lentamente. Tentou disfarçar as pernas bambas que a levavam para a borda. A professora sugeriu que sentasse primeiro e depois colocasse seu corpo, com calma, dentro d’água. Se preferisse, ali perto tinha uma escadinha.
Diva enfrentou a piscina como se fosse o mar de seus sonhos, de seu passado e aquele que reencontraria em Santos, nas próximas férias.
– Tomara que o Vito fique contente.
Diva soltou o corpo no ar. A queda contra a água carregou todos os medos.
Enquanto as colegas e a professora se desesperavam por não vê-la emergir, Diva pensou no neto e na promessa não dita. Como não atender o pedido do neto? Não fora à toa que fizera a matricula na aula de natação escondida.
Afinal, ela não sabia se aquela seria a única oportunidade de estar com Vito no mar.