Infame

Quanto vale um “share”?

"Com tudo isso, fica muito difícil “estar” em algum lugar. Estar de verdade. De corpo e alma presente. E essa sensação piora um pouco, convenhamos, com as redes sociais".

Por Marilia Neustein  |  20 de março de 2017

Não está fácil para ninguém. Todos nós queremos viajar, conhecer restaurantes legais, ocupar os espaços públicos, andar na ciclovia, dirigir sem ser agredido pelo carro vizinho, fazer um churrasco gostoso em casa sem ter que gastar uma fortuna. Mas está cada vez mais difícil. As pessoas estão muito agressivas e existe uma enorme sensação pairando no ar de que há sempre um “estranho” atrapalhando o nosso caminho. E muitas vezes, esse “estranho” é você no caminho do outro. Com tudo isso, fica muito difícil “estar” em algum lugar. Estar de verdade. De corpo e alma presente. E essa sensação piora um pouco, convenhamos, com as redes sociais. Se antes tínhamos momentos de intimidade, coisas que vivíamos nós com nós mesmos e mais ninguém, agora parece que o bacana é apenas expor. Ostentar. Impor sua opinião sobre qualquer assunto. Vivemos um tempo em que não existe mais espaço para sonho e para a imaginação. Tudo está exposto e devidamente legendado com hashtags. 

Não sejamos radicais. É quase irresistível não dividir as coisas bacanas que acontecem em nossas vidas com os outros. É mais do que normal – para não dizer divertido e empolgante – postar uma ou outra foto dos nossos momentos felizes. Entretanto, o quanto de nossas experiências da vida real não perdem a graça quando compartilhamos tudo virtualmente? Será que substituímos o gosto de uma sobremesa linda e apetitosa quando estamos mais preocupados em encher a foto do prato de filtros, hashtags ? Poderíamos arriscar dizer que sim. Se a preocupação maior –  atualmente –  é “mostrar” e não “viver”, existe uma grande contribuição para ansiedade em todo mundo. E é nesse exato momento que acaba a graça de dividir. No lugar de nos sentirmos inspirados pela experiência do outro – que inclui viagens, pedidos de casamento, sapatos novos, drinks maravilhosos à beira do mar ou força de vontade para fazer ginástica em uma manhã chuvosa – nossa maior preocupação torna-se “ser o outro”. Aí a leveza vai para o beleléu. Uma eterna frustração ocupa o espaço que deveria ser de diversão. Sem querer, acabamos minando a espontaneidade. Deixamos de lado aquela coisa de assistir filmes no sofá com pote de sorvete na mão, usar salto baixo, falar besteiras só com pessoas com as quais temos intimidade. O mundo vira uma grande competição de quem sai melhor na foto, ou melhor, quem finge melhor que está mais feliz na foto.     

Não é fácil sair desse novo modo de viver e se comunicar. Somos convidados a “sharear” tudo o tempo todo. Se você não posta uma foto da sua viagem incrível, alguém pode até duvidar que você realmente foi até lá. Mas a verdadeira viagem pode estar no curtir sozinho, no viver aquele momento e desencanar de procurar o wifi para mostrar para todo mundo que #vocêfoi #vocêestavalá #vocêexperimentou. Largar o celular de lado e esquecer de fazer a foto pode ser bem mais que saudável e um grande espaço para a experiência florescer. Que tal tentar?  

Marilia Neustein

Marilia Neustein

Repórter no jornal O Estado de S.Paulo integra a equipe da coluna Direto da Fonte. Assina o blog no Estadão.com ‘Sem retoques’ que discute questões sobre o universo feminino e as entrevistas publicadas no canal ‘Encontros com o Estadão’, às segundas-feiras.