Tarde demais? Quem pensa não haver mais tempo para descobrir novas vocações depois dos 30 está enganado. Filho de pais filipinos e nascido em São Bernardo, o publicitário Reinaldo Quinto, de 37 anos, há pouco descobriu um talento que até então não sabia que tinha: o desenho.
Além de gostar de arte, Rei, como é chamado pelos mais íntimos, ama andar pela cidade de São Paulo, viajar e é um eterno apaixonado por filmes. Vive constantemente em busca de referências para desenvolver seu trabalho.
O Infame conversou com ele para entender como foi esse processo e o que levou a descobrir sua veia artística nesse estágio da vida.
Como e quando você começou a se interessar por arte? Alguém te influenciou?
As primeiras influências foram os livros de arte e enciclopédias com um monte de imagens de bichos e botânica do meu pai. Eu era pequeno e adorava aquilo. Além disso, eu era muito introspectivo e não saía pra brincar na rua, acabava ficando em casa e lia muito na época.
Outra grande fonte de influência foi meu irmão. Ele era um grande colecionador de quadrinhos e desde criança foi se encantando com o tema e se tornando um desenhista autodidata. Meu irmão sempre tentou estimular que eu desenhasse e pintasse mas eu não conseguia fazer nada bom e desistia.
No fim da minha adolescência, ele se tornou aprendiz de um designer brasileiro famoso chamado Tide Hellmeister. Ele ficava fazendo vários trabalhos na casa dos meus pais e eu acabava tendo muito contato com desenho, colagem e pinturas. Cheguei a fazer uma ou outra tela misturando técnicas. A colagem, por exemplo, era um jeito fácil de fazer algo que realmente achasse bonito e acabava compensando o fato de eu não saber desenhar.
Já mais velho, com mais de 30 anos, eu comecei a visitar galerias de arte contemporânea e iniciei uma coleção particular bem bacana com obras do Herbert Baglione, Fefê Talavera, Flip, Rafael Silveira, Samuel Casal e outros nomes interessantes da arte contemporânea brasileira. Foi uma época muito rica de referências, conheci muitas pessoas e artistas interessantes. Essa soma de influências foi ficando na minha cabeça e acabei não resistindo a tentar me expressar artisticamente também.
Qual você considera, efetivamente, o primeiro desenho que te fez pensar que poderia se dedicar mais ao desenho e à pintura?
Com uns 30 e poucos anos eu pedi uma tela pro meu irmão. Não tinha intenção de fazer nada magnífico com ela, apenas brincar e ver se sairia algo interessante disso. A tela ficou encostada lá por bastante tempo.
Certo dia eu estava de bobeira em casa, o tempo estava péssimo: cinza, frio e garoa típica da São Paulo pré-seca. Nesse dia eu resolvi pintar aquela tela. Soma-se a isso o fato de eu adorar materiais de papelaria e o resultado é que acabei comprando pincéis, tintas, lápis, pastéis, canetas e vários tipos de papéis.
Chegando em casa, comecei a rascunhar no papel e de repente que surgiu o meu primeiro desenho.
Mesmo tendo um início meio desanimador, eu não podia desistir depois de ter comprado tanto material. Continuei tentando, dediquei um bom tempo e as coisas, até que meus desenhos evoluíram bem. Em pouco tempo, no máximo 1 mês, eu já estava desenhando sem nenhum tipo de aula ou curso.
A segunda série de desenhos que você criou tem uma influência da arte de cordel. De onde veio essa inspiração e porque os personagens estão manchados de sangue?
A arte do cordel sempre me encantou muito. É incrível o quanto de expressão se pode colocar em traços simples e, ao mesmo tempo, tão poderosos. Era um pouco dessa expressividade que eu queria colocar nesses personagens.
O primeiro desenho dessa série foi uma mulher. Quando eu terminei de fazer o rosto, automaticamente comecei a pensar na história da vida dela, pensei num marido alcóolatra que a maltratava (que aliás acabou se tornando o segundo rosto da série) e imaginei que em algum momento ela disse “Chega!” e o matou. Você irá notar que por trás de cada rosto existe um pouco da história daquele personagem e que sempre há algum tipo de morte ou sofrimento.
Sempre achei o elemento sangue interessante, pela cor, pela textura, pelo cheiro e pela dualidade simbólica. Ao mesmo tempo que ele representa morte e dor, ele é um elemento que pode representar vida ou amor.
Como foi a repercussão quando você começou a mostrar os seus trabalhos para outras pessoas e como surgiu a ideia de fazer a primeira exposição?
Depois dessa fase de rostos, comecei a fazer uns desenhos com fundo preto que também tinham uma pegada mais simples e que acabaram se tornando o embrião do que viria a ser minha primeira exposição. Isso foi mais ou menos em dezembro de 2013.
Os amigos começaram a elogiar os trabalhos e alguns deles me incentivaram a fazer uma exposição. Eu achei que era cedo pra isso, mas, ao mesmo tempo, havia algo de desafiador nesse pensamento. Então comecei a entrar em contato com diversas galerias, muitas nunca chegaram a responder, até que o Allann Seabra, curador da Verve Galeria, se interessou pelo meu trabalho e me chamou para uma conversa. A véspera foi um período bem difícil, quase não dormia, não tinha tempo para nada, porque ainda tinha o trabalho na agência de publicidade, mas ao mesmo tempo foi um dos momentos mais criativos da minha vida até então.
A exposição se chamava Preto, Branco e Sangue e era quase um vômito de ideias, uma experiência catártica pessoal. Tudo unido pelo preto e branco e com manchas de vermelho representando o sangue.
A renda dos desenhos teve 100% do lucro revertidos para uma instituição de caridade, em uma semana de vendas eu juntei cerca de R$1.200,00 e doei pro Projeto Quixote com a condição de que o dinheiro fosse usado exclusivamente nas aulas de grafite que eles davam pros jovens carentes.
Nota-se um grande aprimoramento entre na evolução desde que você começou. Como isso aconteceu?
Não teve nenhum segredo nesse sentido. Foram horas e horas acordado trabalhando, testando e me arriscando no desenho. Eu realmente não tinha técnica, estilo ou consistência alguma, apenas vontade de querer fazer.
Essa vontade foi se tornando uma obsessão mas ao mesmo tempo era uma espécie de prazer e fuga. Prazer por causa da sensação com o resultado final de cada obra e fuga porque quando estou trabalhando nisso, não penso em absolutamente mais nada. No fim, a obsessão acabou se traduzindo em evolução.
Sua arte é mais abstrata e non-sense. Como você lida com as diversas interpretações em relação a ela?
Eu gosto muito. Apesar de eu criar tentando expressar algum sentimento pessoal, acho importantíssimo que as pessoas tenham as suas próprias interpretações. Não quero que elas vejam meu trabalho tentando descobrir o que eu estava pensando. Eu quero que elas se relacionem e sintam algo por aquilo que criei. Cada quadro que eu crio é como o início de um diálogo que será diferente com cada pessoa.
Como você é como observador/consumidor de arte?
Eu particularmente gosto de mergulhar nos trabalhos que me tocam e tentar interpretar e sentir aquilo de diversas formas. Existem trabalhos que realmente te passam sensações tão fortes (sejam boas ou ruins) que chegam a te perseguir por dias. É esse tipo de sensação que eu busco como consumidor de arte.
Percebemos quase que uma fixação pela representação da anatomia em suas obras. Qual a intenção por trás desse estilo?
Antes de mais nada é importante saber que gosto de observar estruturas em geral, seja a placa-mãe de um computador, seja a planta de um prédio, seja o motor de um carro, seja a estrutura de um ser vivo. Essa é uma fixação pessoal que cada vez mais se torna evidente no meu trabalho. Por trás dessa escolha tem meu ceticismo em relação ao mundo e à minha própria espiritualidade. Me pergunto constantemente se somos algo além de carne, nervos e ossos e se não somos apenas um acaso no universo.
Nas suas ultimas obras, percebemos uma evolução na técnica e no estilo? Como isso se deu?
Depois da primeira exposição eu comecei a treinar obsessivamente pontilhismo, o que acabou trazendo profundidade para o meu trabalho. Não fui atrás de aulas, cursos ou vídeos na internet, foi bem autodidata mesmo, testando e jogando fora o que não funcionava.
Esse aqui é o desenho que representa essa fase de transição:
Como é conciliar essa sua nova fase artística, vida pessoal e o trabalho na agência de publicidade, dá para conciliar as duas coisas?
Tento conseguir ter tempo para tudo mas às vezes é bem difícil. Quem já trabalhou em agência sabe como o ritmo pode ser avassalador e comprometer a vida pessoal. No meu caso ainda existe um agravante pois sou o responsável por uma area inteira, ou seja, o nível de cobrança é altíssimo. De qualquer forma, por mais que o tempo seja escasso, tendo um mínimo de organização é possível fazer. O mais importante é ter força de vontade e aguentar o cansaço.
Você encara essa sua nova fase como hobbie ou também um segundo trabalho?
Sobre o meu lado artístico, considero que já deixou de ser um hobbie e que está amadurecendo cada vez mais. Se vou ou não me tornar artista em tempo integral, isso já não sei dizer.
Como foi o convite para a sua última exposição na galeria Verve? Você sentiu algo diferente da primeira exposição?
Fiquei extremamente feliz e honrado do meu trabalho ser reconhecido a ponto de ser convidado para uma exposição coletiva na Verve em parceria com a MAAD (a MAAD é uma plataforma digital para lançar artistas, fazer com que eles troquem experiências, vender trabalhos e divulgar nomes em todo mundo).
Diferentemente da primeira exposição, nessa não tive o “peso da estreia” sobre meus ombros, portanto pude aproveitar mais o momento.
Mas o melhor dessa história é ela serviu para me estimular a produzir novamente. Eu estava parado há um bom tempo por causa do trabalho na agência e pela falta de inspiração. Logo depois da vernissage eu tirei os materiais do armário comecei a trabalhar numa nova série.
E daqui pra frente, o que têm te inspirado a criar?
O de sempre: um coração partido!
Que papel a arte exerce na sua vida hoje?
Mudou a minha vida. Acredito graças à arte eu iniciei uma jornada de auto-conhecimento que está apenas no começo.
Você acha que as pessoas estão abertas a conhecer novos artistas?
Independente do artista ser novo ou já conhecido, o que as pessoas realmente querem é consumir conteúdo que seja bom e relevante, que signifique algo para elas. Então sim, a abertura com certeza existe.
Qual é o apetite das pessoas pelo novo, pelo desconhecido, pelas descobertas?
O desconhecido sempre instigou as pessoas e isso é uma verdade que acredito ser absoluta. Sobre esse assunto eu vejo dois pontos de vista e minha opinião está perdida em algum lugar entre eles dois. Primeiro: olhando por um lado mais existencial e filosófico, eu acho que o desconhecido traz justamente a possibilidade do ser humano aprender mais sobre si mesmo, sobre os outros e atingir um novo nível de consciência. Desvendar o desconhecido significa dar um passo à frente em nossas vidas. Segundo: agora pensado por um lado científico, acho que tem alguma “programação” no cérebro humano que faça com que ele se busque o novo constantemente simplesmente porque, a partir do momento que algo deixa de ser novo, ele deixa de estimular alguma zona de prazer do cérebro.
Você é um artista e isso foi uma descoberta recente. O que você pensa sobre essa nova “persona de artista” que se instituiu/ que se formou em tão pouco tempo?
Sabe quando você estranha ouvir a própria voz numa gravação? Pois eu estranho toda vez que me apresento como artista. Ainda estou descobrindo quem é o “Rei Quinto artista”. Acho que vou chamar ele pra tomar uma cerveja qualquer dia desses!