Me mudei de apartamento, mas não de costume. Há 5 anos, meu reality show favorito é o Prédio da Frente. Agora, não tenho mais o vizinho do décimo terceiro, que grita com o pai ao telefone e bate panela entoando palavras de ordem. Aliás, “palavra de ordem”: que termo maravilhoso. Mas prefiro as palavras de caos mesmo.
Há 5 temporadas, o meu reality show favorito é o Prédio da Frente. Transmitido ao vivo durante 24 horas, ele é meu pay per view assinado mensalmente com o altíssimo aluguel paulistano. A audiência é seleta a quem estiver disposto. É preciso encarar verdadeiras provas de resistência em noites de vento e chuva, ou horas de investigação na varanda.
A vizinha do décimo terceiro foi recentemente eliminada. Justo ela, que era franca favorita no jogo. Que jogo? Ela.
Ela que tocava cuíca e berimbau em dias da semana, com toda felicidade e graciosidade que o momento pedia. Ela que tinha um set de luz ambiente que dava todo o clima íntimo e amigável para a sua sala. Ela que tinha tv, mas nunca assistia nada, talvez porque soubesse que ela era a grande atração. Ela que adorava receber amigos em casa. Ela que foi a única a transcender os limites da casa e estabelecer contato comigo.
Estávamos eu e meu roomate na varanda, conversando em uma noite. Ela gritou em pleno maio “Feliz Natal pra vocês”. A gente demorou a entender que ela se referia às luzes de pisca-pisca que decoram o nosso apartamento, mas imediatamente gritamos de volta “a gente te ama, você é maravilhosa. A gente vê tudo que você faz. Continua assim.” Nos gritos, também contei que iria me mudar para o Rio e ela me desejou boa sorte. Mudei para o Rio, mas a vista do mar não tinha tanta graça. O mar nunca me respondeu. Quando voltei, a vizinha do décimo terceiro tinha virado um senhor batedor de panela, que deixa cortinas fechadas 80% do tempo.
Eu entendo. Por tantas vezes fecho também a minha cortina. Está errado quem espiona os outros pela janela ou quem fecha as cortinas para olhos curiosos? Nenhum dos dois. Há quem pense que sou invasiva ao olhar. Mas a janela paulistana é um instrumento social. Sem elas, com quem torceríamos nos jogos de quarta-feira? Para onde correríamos na hora de gritar gol? Talvez essa seja uma lenda urbana, mas uma vez me contaram que um casal se formou assim. Eles sempre se olhavam pela janela, até que um tomou coragem e começou a escrever em folhas de papel para o outro. Dizem que estão juntos até hoje e fizeram uma varanda compartilhada entre os prédios.
Outro vizinho que desperta afeto é o jovem que passa as noites vendo futebol americano e soft porn do Multishow, sempre intercalados. Gosto muito também do mocinho que fuma na janela da lavanderia. Por que será que ele escolheu justamente a lavanderia? Não parece, daqui, o cômodo mais confortável para um trago. E ele mora sozinho, então poderia fumar em qualquer outro lugar. Às vezes é chato quando é feriado ou aquela semana de fim de ano. A movimentação do prédio da frente diminui e eu queria saber para onde vão todos os vizinhos que eu conheço sem conhecer. Uma vez, estava observando a vizinha do oitavo andar e acabei subindo a cabeça um pouco e vi que o vizinho de cima estava me observando. Metastalkismo.
Queria poder mandar um bilhete para eles no natal (não no natal de maio, mas no natal mesmo), agradecendo por mais uma temporada incrível.