Infame

A Ilhéus de Todos (Todos Mesmo)

“O que existe de mais democrático no Brasil é a ignorância”, conta Socorro, explicando que a falta de preparo político e democrático do brasileiro não tem cor, raça ou classe social.

Por Mariana Moraes |  21 de fevereiro de 2017

O Teatro Popular de Ilhéus, quando passa pelas ruas da cidade, hipnotiza a população. Certa vez, a peça encenada era sobre Teodorico Majestade, um prefeito corrupto. O povo percebeu a semelhança do personagem com Valdorico Reis, governante de Ilhéus na época e seguiu o grupo pelas ruas, xingando o prefeito. “Saia, saia!”, protestavam, no estopim de um processo de impeachment que teve como fim a cassação de Valdorico.

Este foi o insight de Maria do Socorro, 57 anos, mãe de três filhos, baiana irreverente, que viraria a vida pública de Ilhéus de cabeça para baixo. Desde então, ela provoca políticos locais para que governem melhor. Filma a câmara dos vereadores em todas as sessões e as coloca no Youtube. Vai para praça da cidade dialogar sobre o que há de novo na vida da cidade. Através de um grupo de Facebook, engaja a população e promove debates entre professores, o governo e os moradores para que todos reflitam sobre o que a cidade realmente precisa.

“O que existe de mais democrático no Brasil é a ignorância”, conta Socorro, explicando que a falta de preparo político e democrático do brasileiro não tem cor, raça ou classe social. Acontece desordenada e frequentemente. “Tem gente muito simples que sabe seus direitos e os exige, e tem gente que vota errado e não se importa com isso”, continua a baiana, que para lutar contra a ignorância e dar apoio ao povo de sua cidade, institucionalizou as ações que fazia numa organização chamada Nossa Ilhéus.

Ilhéus, vale lembrar, é um município ao sul da Bahia, com mais ou menos 180 mil habitantes, e leva o apelido de capital do cacau, por já ter sido o maior produtor de cacau do mundo. A praia é linda e o calor é intenso. Socorro mora lá desde sempre, mas a vontade de transformar sua preocupação em ação veio aos 45 anos quando, desempregada, conversando com os habitantes na praça principal, percebeu sua inquietação diante da falta de diálogo entre a população e os governantes.

Sua primeira atitude foi alertar os cidadãos sobre os impactos de um porto que viria a ser construído na região. Grandes construções geram mudanças radicais no local, transformam a vida dos moradores, às vezes para melhor, muitas vezes para pior. Poucos, contudo, sabiam do projeto. Não estava nos jornais, na TV, na internet. Socorro soube disso em um de seus bate-papos na praça central. Ela pesquisou sobre a construção que estava para chegar, e foi desvendando a polêmica. O Porto Sul, nome dado ao local, tinha um orçamento de dois bilhões, ia gerar dois mil empregos e desenvolvimento, mas ia desmatar mais de 500 hectares de Mata Atlântica.

Discutindo com ambientalistas, empreendedores e interessados, ela passou a confrontar a construção do empreendimento. Era chamada para falar, batia de frente nos espaços de debate, engajava o povo e não tinha medo de se posicionar contra. Com o tempo, no entanto, percebeu que havia pontos a favor e contra a obra, e o mais inteligente seria lutar para que o Porto Sul ou qualquer desenvolvimento local fosse feito de forma sustentável. Socorro então passou a pensar em estratégias para avançar nas políticas públicas da forma que fosse melhor para a economia, para a natureza e para os indivíduos.

Moradores de Ilhéus, com o tempo, passaram a contar com Socorro quando queriam desde consertar um buraco na rua a se pronunciar contra uma lei recém-aprovada. Ela conta que não sabia como solucionar todas as questões, mas corria atrás. “Fiz faculdade de vida, sabe? Aprendi na vivencia”.

E compreendeu também que é mais importante empoderar os moradores do que ajudá-los. “Se eu resolvo os problemas dos outros, estarei fazendo igual muito político que deixa a população submissa”. Tem vereador ganha voto assim, acredita, e cidadania é o oposto disso.

Outra sacada de Socorro foi filmar e colocar online todas as sessões da câmara dos vereadores. “É ali que começa a corrupção, por exemplo. Se assistir qualquer proposta estranha saindo dali, dá tempo de fazer barulho”.

Certa vez, ela ouviu que os vereadores decidiram proibir as filmagens das sessões na Câmara, certamente para tomarem decisões nas sombras. Socorro não deixou barato: acionou jornais e revistas, postou no grupo de Facebook, envolveu a população. Em 24 horas as gravações foram retomadas, e os vereadores nunca mais as proibiram.

Qualquer pessoa que entrar na página do Nossa Ilhéus encontra, além dos vídeos das sessões, um relatório feito a cada seis meses por Socorro e sua equipe, analisando os indicadores da cidade. Além disso, quando propostas viram lei, eles informam os habitantes com um slide com um carimbo escrito ‘agora é lei’. “A gente procura desmistificar a linguagem da câmara dos vereadores para a população ter acesso”, conta Socorro, que tem como meta acabar com o “eles lá, nós aqui”.

Além das inúmeras iniciativas, o jeito cativante de Socorro traz ensinamentos. “Me chamam para falar, e não é só do Nossa Ilhéus, é sobre coragem”, conta. “Sou bem estilo nordestina mesmo”. “No começo, ficava eu e meu computador na praça da cidade o dia todo, não tinha escritório nem nada. Você não precisa ter uma organização com uma sede, cadeiras e com tudo para começar a agir: faz e vai construindo no processo. Eu me doei muito e as coisas começaram a acontecer”.

Talvez uma das suas maiores vitórias recentes tenha sido ser escolhida para carregar a Tocha Olímpica das Olimpíadas 2016. Não obstante, conseguiu que a levassem para ela, lá no Sul da Bahia. “Eu lutei para que fosse em Ilhéus. Não queria estar em outro lugar”. As cidades são feitas de pessoas, e Socorro entendeu isso.

 

Mariana Moraes

Mariana Moraes

Mariana Moraes é uma amante do diálogo e da boa comunicação. Ela é formada em publicidade, com pós graduação em jornalismo e comunicação digital. Se apaixonou pelo setor social há mais de dez anos, quando se tornou voluntária do Sou da Paz e desde então trabalha no setor. Atualmente esta no GIFE – Grupo de Institutos Fundações e Empresas, onde acredita que por meio da comunicação poderá impactar o investimento social.