Infame

Retratos de Bangladesh

Entrevistamos o fotógrafo Marcos Credie sobre suas experiências fotográficas numa visita a Bangladesh.

Por Marcos Credie |  30 de agosto de 2018

1. Conte-nos sobre o contexto em que essas fotos foram feitas lá em Bangladesh. Como foi conhecer melhor o trabalho do Yunus?

Foi uma viagem a trabalho. Estávamos levando uma empreendedora social que trabalha com o microcrédito no interior de Pernambuco para conhecer o Prof. Muhammad Yunus. A viagem coincidiu com o Social Business Day, um dos maiores eventos de Negócios Sociais do Mundo, que aconteceria em Dhaka. Então passei uma semana conhecendo várias das atividades e negócios sociais e pude ter uma visão bem abrangente daquele país. Durante três anos e meio tive a oportunidade de ser o responsável pelo conteúdo na Yunus Negócios Sociais do Brasil. Ali pude me deparar com uma série de empreendedores e negócios de impacto, o que me permitiu rodar o Brasil e me aprofundar em diversas questões sócio-ambientais de nosso país. Por todo esse tempo, minha missão foi comunicar nossas atividades e o nosso olhar e soluções para várias dessas questões. Então ir a Bangladesh e entender na prática como o Grameen Bank e seus derivados funcionam, foi algo muito gratificante. Lindo de ver como várias famílias realmente emergiram de uma situação precária com os empréstimos do banco. E o melhor, todos feitos de forma desburocratizada, baseado na confiança e nas relações entre seres humanos. Realmente validou todo o meu esforço e crenças na fotografia como ferramenta de impacto na comunicação.

2. Quais foram os maiores aprendizados de ter visitado aquele país? O que mais chamou sua atenção por ali?

Certamente foi a viagem mais impactante da minha vida. Já tive a oportunidade em me deparar com situações de muito descaso no Brasil e rodar por países considerados “precários” por todo o mundo, mas nunca havia visto nada igual. Primeiramente o número de pessoas é surreal. A densidade demográfica em Bangladesh é assustadora. Segundo, quando você se dá conta que toda essa gente vive com problemas sociais seríssimos. Problemas de saúde, moradia, falta de alimentos… e a lista vai longe. É incrível pensar que o Prof. Yunus já havia resolvido muitas dessas questões, e ainda assim a precariedade é latente. Você percebe essas dificuldades nos olhares e nas expressões ao andar na rua. Entende que as pessoas são magras por fome. Que estão sujos por que não tem condições de limpar as roupas. Há uma imensa falta de estrutura estatal. Aliás, a presença do Estado só fo percebida nos bairros nobres, ditos turísticos, onde há o reforço policial para tentar impedir atos terroristas.

3. Você trabalha bastante com retratos. Qual você acha que é a grande beleza por trás desse tipo de fotografia mais pessoal? Como as pessoas em diferentes parte do mundo reagem ao pedido de fotografá-las?

Acredito que retratos contam histórias sobre as pessoas. Toda a expressividade de um retrato nos faz automaticamente criar uma empatia com o fotografado. Imaginamos quem é, onde vive, o que faz… Existe uma interação com o fotografado que para mim é toda a magia dessa história. Quando uma pessoa te concede o retrato ela está te mostrando como quer que o mundo a enxergue. Seja pousando ou agindo naturalmente. A forma como pousa nos remete às suas referências, às mascaras por ela usada e consequentemente quem ela é. Retratos pousados também são uma forma de conseguir a verdade. Em Bangladesh, no entanto, foi o lugar mais difícil de fotografar. Toda vez que sacava a minha câmera e apontava para um lado, atrás de mim uma muvuca se formava, com olhares curiosos ou não, e que nos primeiros dias foi muito intimidante. As mulheres são quase inacessíveis. É um país extremamente fundamentalista e há uma certa tensão no ar. A língua também é uma barreira. Tive muita dificuldade pra relaxar naquele ambiente. E foi engraçado, pois tenho certa facilidade para me mimetizar em vários tipos de situações. Acho que essa facilidade decorre da conexão com o lugar em que estou inserido. Estar só ajuda muito nesse processo. Não é raro, poucos dias ou mesmo horas em qualquer lugar eu chegar em qualquer roda, empunhando a câmera e conseguir bons retratos. Acho que as pessoas vão com a minha cara (de pau). rs

4. Conte-nos um pouco sobre como você começou a fotografar. Lá pelos meus 07 anos meu pai me deu uma Kodak automática.

Lembro do carinho que tinha por aquela câmera. Meus pais tem fotos ampliadas ainda daquela época. Mas foi em 2003, em uma viagem de carro onde percorri Brasil, Argentina, Chile e Peru que acordei, de fato, para a fotografia. Nessa expedição tínhamos uma Pentax K1000 que estava com o fotômetro quebrado. Então eu me guiava pelo “Sunny 16“ e recordo da sensação em trabalhar com planos, a profundidade adquirida com uma câmera reflex e principalmente no coice do clique. Aquilo tudo foi muito forte. E naquela época eu nem sabia que ainda teria que terminar a faculdade de Direito, me tornar advogado, fazer pós, para então, 10 anos depois, largar tudo e viver da minha paixão, que é a fotografia. Em 2013, consegui deixar o Direito e começar a trabalhar com audiovisual. Foi impulsionado por uma viagem de 105 pelo continente asiático. O Projeto Ásia em 100 Dias. Foi aí que consegui romper com o passado para viver o presente, documentando os povos, manifestações religiosas e culturais. E desde então, não parei mais.

Marcos Credie

Marcos Credie

Um paulistano que optou pela felicidade. Após 12 anos atuando em uma carreira jurídica, compreendeu que nasceu para contar histórias através de suas lentes e sua vida não faria sentido de outra forma. Deixou a sua antiga atividade e fez de seu hobby a sua profissão. Hoje, vive fazendo o que ama. Começou a fotografar em 2003, em uma viagem em que percorreu a América do Sul de carro conhecendo diversas comunidades indígenas latino-americanas. Desde então, percorreu boa parte do mundo fotografando e filmando pessoas, suas vidas e formas de conexão em diversas geografias. Por três anos e meio foi o responsável pelo conteúdo da Yunus Negócios Sociais Brasil, assinando os filmes institucionais que compõem o portfólio de negócios sociais da rede e de empresas parceiras. Hoje dirige, roteiriza, filma e fotografa para empresas e produtoras.