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O que Pensar sobre a Articulação entre Juventude e Trabalho?

"Tem-se em mente que o exercício da aprendizagem, no geral, possibilitará a ascensão social e a boa colocação do/a jovem. Mas minha percepção é de que existe um desvirtuamento do que deveria ser a aprendizagem. Já presenciei em alguns locais o uso do “menor aprendiz” como “menor subalterno”: o moço que faz o café, a moça que leva o café para a reunião, o boy que leva os documentos da firma ao cartório, a girl que entra na fila para pagar os boletos da empresa no banco. Até hoje não visualizei um trabalho de aprendizagem que simplesmente não reproduzisse o lugar do “menor aprendiz” como eterno subalterno das relações de poder".

Por Bruno Vieira |  11 de abril de 2018

Não é nada simples falar de juventude e trabalho. E a coisa fica ainda mais séria quando concentramos nossa análise na juventude situada nas periferias do Brasil (não somente no sentido geográfico, mas simbólico-material), algo que torna ainda mais complexa a compreensão da equação formada pelas variáveis trabalho/emprego/colocação profissional.

Quando se fala em trabalho, nós pensamos em emprego. Situamos ambas as coisas como se fossem inerentes uma à outra. E, ao se pensar em juventude e trabalho, inevitavelmente pensamos em juventude e emprego – nas relações formalizadas de trabalho, como carteira assinada, FGTS pago em dia, INSS depositado todo mês, férias, 13º salário etc. A força disso se estabelece nas formas como se pensam as políticas para trabalho dos/as jovens, focando no aprendizado juvenil como (perdão pelo trocadilho) uma saída para a entrada no mercado de trabalho.

Tem-se em mente que o exercício da aprendizagem, no geral, possibilitará a ascensão social e a boa colocação do/a jovem. Mas minha percepção é de que existe um desvirtuamento do que deveria ser a aprendizagem. Já presenciei em alguns locais o uso do “menor aprendiz” como “menor subalterno”: o moço que faz o café, a moça que leva o café para a reunião, o boy que leva os documentos da firma ao cartório, a girl que entra na fila para pagar os boletos da empresa no banco. Até hoje não visualizei um trabalho de aprendizagem que simplesmente não reproduzisse o lugar do “menor aprendiz” como eterno subalterno das relações de poder. Até hoje não vi (ou não me lembro) de algum “menor aprendiz” que teve oportunidade de crescer dentro da empresa onde trabalhava (eu sei que há casos, mas são exceções que confirmam a regra). Até hoje a aprendizagem é pensada nesses lugares, nesses moldes. Isto não é uma crítica à aprendizagem, mas à forma como ela foi apropriada e como até hoje as empresas e instituições diversas utilizam a força juvenil de trabalho.

Tal foco acaba sendo uma réplica, uma reprodução dos lugares que tais sujeitos/as, segundo nossos preceitos (e preconceitos) sociais, devem ocupar. Com toda a certeza que isso repercute na própria forma que os/as jovens acabam percebendo o que é o trabalho, o que é estar empregado. Estando em condições de vulnerabilidades diversas, desejando a sobrevivência, é óbvio que a busca é por alternativas que lhes rendam uma possibilidade de viver bem e ainda ajudar em casa. Não por acaso o comércio de drogas (consideradas) ilícitas é uma dessas alternativas, e acaba empregando melhor, dando mais oportunidades de crescimento – e de carreira – que uma inserção formal no mercado de trabalho.

Some-se a essa situação o fato de que os projetos sociais, em boa medida, não lidam com a questão da profissionalização do/a jovem. A proposta da diminuição da violência e das violações de direitos, feita em muitos desses projetos, sequer toca na demanda de uma projeção social pelo mundo do trabalho. Inquieta-me deveras o fato de que programas, projetos e ações que tenham interesse em retirar os/as jovens da condição de vulnerabilidade social não conversam com programas, projetos e ações que tenham interesse em inserir os/as jovens no mercado. Falta pensar a interlocução entre dois âmbitos, e isso pode contribuir para uma baixa efetividade no enfrentamento à violência e às violações de direitos dos/as jovens – pois vários/as se encontram ligados/as ao sistema do tráfico de drogas e sobrevivem financeiramente dele. Sua inserção nesse sistema se dá por demandas objetivas e subjetivas, também inerentes ao mundo do trabalho, como complementar a renda familiar, comprar a desejada roupa para sair no fim de semana ou se inserir em grupos buscando reconhecimento social.

Retornando ao ponto entre trabalho e emprego, creio ser necessária uma reflexão, principalmente no que tange à juventude periférica, da construção de programas e ações que consigam projetar nos/as jovens o trabalho para além de um fator de sobrevivência. Tenho tentado elaborar um pensamento mais amplo cujo mote principal é analisar o enfrentamento ao juvenicídio (o extermínio da população jovem) para além da urgência do controle de mortalidade. Haja vista que existirão corpos que sobreviverão ao genocídio (que fogem da cadeia, do caixão ou da cadeira de rodas), o que fazer para que tais corpos persistam vivos na sociedade? Tenho para mim que o trabalho é basilar para se pensar o enfrentamento às mortes juvenis. Ao mencionar tal assunto, não me atenho à aprendizagem ou ao trabalho subalterno, mas à possibilidade de uma economia criativa gerida pelo/a próprio/a jovem, a partir daquilo que ele já faz. A arte de rua que o/a jovem produz pelo pixo ou pelo grafite pode virar uma produção de design gráfico; o/a jovem que participa do teatro da comunidade pode construir uma carreira também como produtor artístico de outras peças teatrais, incluindo as suas próprias; o rapaz ou a moça que têm habilidades de corrida podem ser os novos professores de Educação Física na escola do bairro. O mote aqui é a cultura, mas o raciocínio é análogo a outros âmbitos profissionais que o/a jovem queira desempenhar: abrir sua barbearia, montar sua oficina mecânica, abrir uma lanchonete.

Há muitas possibilidades, mas que foram e são pouco exploradas. Podemos nos ancorar na criatividade deles/as e trilhar novas possibilidades de ação para que o ofício juvenil não seja um mero lugar de reprodução de hierarquias sociais, que seja um momento de reflexão da sua condição social e que permita, sim, a ascensão social e a ocupação de outros espaços. Fato é que os/as jovens possuem demandas urgentes para a sobrevivência financeira, e o quão dispostos estamos, enquanto promotores de políticas juvenis, para pensar o campo do trabalho do jovem para além da sua “simples” retirada do “crime”, para além da “simples” inserção como “menor aprendiz”? Reitero: não é um desmerecimento a todos os programas existentes, mas acredito que podemos ir além ao que já está sendo feito.

 

Um agradecimento especial à Ana Maria Franca, que me ajudou bastante na escrita do texto e possibilitou uma reflexão sobre o assunto.

Bruno Vieira

Bruno Vieira

Bruno Vieira é jornalista formado pela UFMG. Belorizontino nato, atualmente cursa o mestrado em Psicologia Social na mesma instituição, pesquisando juventude, ação política e políticas públicas. Tem trajetória no terceiro setor em assuntos relacionados a cultura, educomunicação, mobilização social e comunicação comunitária. Integra o coletivo Pretas em Movimento, de BH.