Falamos muito recentemente sobre movimentos de “renovação” ou “inovação” política, mas nunca paramos para pensar no que isso significa de fato.
Na política que é praticada hoje existe uma maneira instituída de pensar, um certo estilo de enunciação de verdades sobre nós mesmos e sobre a nossa época. E por isso acredito que não há renovação ou inovação possível enquanto não rompermos com esses vícios de pensamento, linguagem e ação. Enquanto não assumirmos que a vida na menor de suas engrenagens, faz circular silenciosamente a guerra. E nesse sentido como muito bem nos alerta Michel Foucault estamos em guerra uns contra os outros. Numa espécie de frente de batalha que atravessa a sociedade inteira, contínua e permanentemente. E, por isso, não há sujeito neutro e somos forçosamente adversários de alguém.
Ao pensarmos sobre um novo devir político devemos considerar que existe um movimento em direção às lutas políticas que não se conformam ao modelo estipulado pela velha política e que desloca para novas zonas. E quando nos perguntamos, “o que falta na política?” a resposta é inevitável: toda a diversidade possível. E essa diversidade apenas será possível com a abertura sincera de todo e qualquer movimento para as demandas da comunidade negra, das mulheres e da comunidade LGBTQI. A abertura sincera para essa maioria que é silenciada todos os dias em nossas cidades.
Dito isso, quais são os três principais adversários que precisamos combater?
1- Toda e qualquer pessoa, estrutura ou movimento que trabalhe para preservar a ordem pura da política e do discurso político como está.
2- O personalismo que atribui e delimita a política em um corpo, uma pessoa, um salvador ou salvadora.
3- Enfim, o inimigo maior, o adversário estratégico: o fascismo. E não apenas o fascismo histórico de Hitler e de Mussolini – que soube tão bem mobilizar e utilizar o desejo das massas – mas também o fascismo que está em todos nós, que assombra nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora.
Por isso todo e qualquer exercício que se provoque a transformar a política não pode ter como projeto a tomada do poder. A tomada do poder como um fenômeno de dominação de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros ou de uma classe sobre as outras. Não podemos entender a prática política como algo que possa ser dividida entre aqueles que possuem acesso a ela e a detêm exclusivamente e aqueles que não possuem acessos e devem se submeter. Precisamos reestabelecer o campo da política num perímetro de circulação, como algo que só funciona em rede. Feito isso a política nunca estará localizada aqui ou ali, nunca estará apenas nas mãos de alguns e nunca será apropriada como um bem, principalmente como bem escasso. Estamos falando de uma política que funciona e se exerce como rede. Em seus nós, os indivíduos circularão ao mesmo tempo em que estarão sempre em posição de exercê-la e de sofrer sua ação.
Abaixo reproduzo um trecho da “Introdução à vida não fascista!” de Michel Foucault que deveria ser um mantra para todos nós que estamos dedicados na construção de uma nova política que responda para toda a sociedade e tenha como principal meta a redução de desigualdades. Deveria ser um mantra principalmente quando ele nos alerta para não nos apaixonarmos pelo poder, a principal armadilha que pode ser colocada em nosso caminho:
– “Libere a ação política de toda a forma de paranóia unitária e totalizante.”
– “Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, antes que por submissão e hierarquização piramidal.”
– “Libere-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna) que o pensamento ocidental por tanto tempo manteve sagrado enquanto forma de poder e modo de acesso à realidade. Prefira o que é positivo e múltiplo, a diferença à uniformidade, os fluxos às unidades, os agenciamentos móveis aos sistemas, considere que o que é produtivo não é sedentário, mas nômade.”
– “Não imagine que precise ser triste para ser militante, mesmo se a coisa que combatemos é abominável. É o elo do desejo à realidade (e não sua fuga nas formas da representação) que possui uma força revolucionária.”
– “Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política para desacreditar um pensamento, como se ele não fosse senão pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política.”
– “Não exija da política que ela restabeleça os ‘direitos’ do indivíduo, tais como a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto do poder. O que é preciso é ‘desindividualizar’ pela multiplicação e pelo deslocamento, pelo agenciamento de combinações diferentes. O grupo não deve ser o elo orgânico que une indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de ‘desindividualização’.”
– “Não se apaixone pelo poder.”
Vamos seguir em nossas lutas tendo esses princípios essenciais como um guia da vida cotidiana.
Amo vocês!