Eu acredito em placebos. E jamais me importaria se estivesse passando por tola, nessas linhas. É uma afirmação que deveras difere do cor-de-rosa “eu acredito em fadas” e teria de atravessar um deserto para alcançar o niilista (e hilário) “eu acredito em duendes”. Porque as primeiras, as damas da leveza, são bichos da contradição. Movimentos de balé condensados num corpo humano e divino — duas entidades impossíveis de ser conjugadas, gregos que me perdoem. Nelas, há ainda um bosque de lírios e uma aura verde, miscigenada à crueldade das sereias. As fadas não existem para acreditarmos nelas, convenhamos: elas nascem no solo da literatura criadora, em sonhos de floresta. Acreditar numa fada é dar forma ao silêncio: morte fulminante.
Os duendes já têm as almas mais desenhadas em carne. Não comportam maniqueísmos nem fábulas grandiosas. Seres da terra, da lama. Um cheiro excessivamente castanho nutre suas enraizadas referências. Traiçoeiros, espertos e divertidos. Claro que também não existem. Parece-me que um duende está envolto nas próprias travessuras, por inteiro. Não se questiona nem entristece. Esqueleto sem melancolia não há. Até mesmo os milhos choram de dentro para fora. E seus espíritos do avesso são pipocas.
Os placebos, meu Deus, são as sementes da inverdade humana. Torturadores dos áugures, eles mudam o destino das jangadas, tornam o périplo uma viagem sem roteiro. Cápsulas de farinha entoam voos labirínticos por planetas inexistentes. Um devaneio comprimido supera tantas pungências — até então — insuspeitas. É um rodopiar, é uma vertigem comprovada pela medicina. Embora jamais precisasse de evidências científicas. Basta uma imaginação fumegante, meus pensamentos são simples. Aceitam quaisquer alimentos invisíveis. Em mim, as estátuas da realidade são desarvoradas. As alamedas inventadas têm mais folhas. Por qual razão haveria de violá-las?
Eu acredito no poder fictício dos placebos. O mistério esparsa aos ventos os resquícios prometidos. Sou agente do meu universo imaginado. Um exército com os mesmos poderes bélicos dos antibióticos. Sem a mínima saudade daquilo que nunca viverei. Eu engendro a memória que me percorre, latejante. Contudo, algo não pode estar suspenso, inadvertido. O coração, ao aceitar o placebo, tem que acepilhar a calmaria. A liberdade onírica chega dócil. De hora em hora. Salpicada, em minúsculas doses homeopáticas.