O rio Doce já foi banhando de ouro e cravejado de diamantes, possuía uma fauna diversificada e irriga dezenas de cidades e vilarejos de Minas Gerais e Espírito Santo. Hoje, pouco se acredita em sua recuperação após sofrer o maior desastre sócio ambiental do Brasil. E mesmo com os mais de 40 milhões de metros cúbicos de lixo de mineração que percorreram seus mais de 800km e se depositaram em reservas de corais no litoral, há vários indícios de tentativas de provocar certa turbidez nos processos envolvidos na sua limpeza, contando com o comportamento padrão no Brasil de pouco se punir grandes conglomerados de empresas após situações como essa. Parafraseando o poeta de rua Lucas Afonso, “todas as lembranças que tenho de Minas são doces. Quem dera esse rio que passa ai fosse… sadio”.
Na Baixada Coronel Roberto, em Ipaba, leste de Minas Gerais, cerca de 30 famílias foram aconselhadas a não usarem as águas que passam no quintal de casa. Claro, o rio Doce, que durante anos serviu de irrigação, lazer e uso doméstico para essas famílias, agora está contaminado por metais pesados como Ferro e Manganês, oferecendo riscos à saúde a longo prazo. Os moradores certamente já tinham se atentado para não utilizarem essa água que agora possui cheiro, cor e textura, mas então o que fazer? À Samarco, que diante da justiça brasileira não parece ser a responsável pelo ocorrido, ficou a incumbência óbvia de abastecer essa e outras comunidades com água potável. Assim, caminhões pipa com água retirada do rio Doce em Cachoeira Escura (Belo Oriente/MG), abastecem os moradores da Baixada Coronel Roberto. Isso mesmo, vou repetir! Caminhões pipa com água retirada do rio Doce em Cachoeira Escura (Belo Oriente/MG), abastecem os moradores da Baixada Coronel Roberto.
Belo Oriente é um dos mais de 40 municípios banhados pelo Doce e que faziam 100% de sua captação de água para uso da população no rio. O que justifica então esses moradores receberem essa água outrora indicada como imprópria para o consumo? Descaso. Impunidade. Esquecimento. São algumas das condições que parecem favorecer essa situação. Calculando que há uma demanda de duas viagens para abastecer todos os moradores nos dias que o caminhão passa e a Baixada Coronel Roberto fica a cerca de 50 Km de Cachoeira Escura (onde a água é captada do rio Doce) e a cerca de 18 Km de uma estação de tratamento em Ipatinga (onde a captação dessa água seria cobrada), dá para suspeitar das escolhas de quem não se preocupa com nada além de seus lucros.
Ainda não é possível indicar quais as consequências a longo prazo do uso dessa água. De imediato, os moradores já sofrem com dores no estômago, indisposição, dermatites e descaso. Se a ação constante da água é capaz de furar a pedra dura, o que não fará essa água contaminada em um corpo às vezes cansado das lutas e acostumado ao esquecimento?