Eu já fui machista uma vez. Talvez mais de uma vez.
Eu já julguei mulheres pelo tamanho de suas roupas. E já achei que só os homens podiam tomar iniciativa.
Mas antes que você me odeie por isso, deixa eu te contar um pouquinho sobre a minha educação.
Eu cresci no Ceará, onde era super normal um cara tentar me beijar na balada antes mesmo de perguntar o meu nome. Eu lembro que durante o carnaval, ou em micaretas, eu passava o tempo inteiro tentando me desviar de bocas com cheiro de whisky, e se eu tivesse sorte de virar o rosto antes de ser atacada, eu levava aquela fungada nojenta no pescoço.
Perdi as contas de quantas cotoveladas já dei em homem tentando pegar na minha bunda – no ônibus, no shopping, em festa de família – e me chamando de princesa, gostosa, ou tudo quanto é nome.
Antes de sair à noite, a dica fashion da minha mãe era “não usa saia curta senão os homi vão ficar pinando.” Pinar, segundo o dicionário Cearês quer dizer “ficar encostando sensualmente numa moça em lugares cheios de pessoas, como ônibus, estádios, etc.”
Nesse ambiente primitivo e sexista, usar pouca roupa era um convite para ser tocada. E naturalmente, as mulheres que eram corajosas o suficiente para vestir uma peça acima do joelho, eram chamadas de putas, vadias, fáceis.
E eu não queria ser puta. Eu queria ser vista pelas minhas ideias, não pelo meu corpo. E por isso, parei de usar decotes.
No único dia que eu fui para o trabalho, em uma agência de propaganda, e arrisquei uma leve transparência, um diretor de arte olhou pra mim e me analisou como se eu fosse um anúncio de página dupla: “Stephania, você já percebeu que o seu peito esquerdo é maior do que o direito?”
Eu era tão acostumada com esse tipo de comentário que nem fiquei ofendida. Eu fiz questão de explicar o caso cientificamente: a maioria das mulheres tem seios de tamanho diferente, normalmente o esquerdo, porque fica ao lado do coração. Eu não podia perder uma chance de provar que eu podia ser mulher e inteligente ao mesmo tempo.
Aos 21 anos, me mudei para Londres.
Eu tinha certeza que havia alguma coisa errada com os homens ingleses.
No metrô, nenhum deles olhava pra mim. Nem um olhar sugestivo, nem uma piscadela de olho. Nas festas, eles até se aproximavam e ficavam conversando por horas, mas nunca tentavam me beijar, ou fazer nada. Comecei a me achar feia. Depois, comecei a reclamar sobre a falta de atitude deles. Que gente chata, sem sal! Credo.
Presa nas minhas convenções sociais, eu achei que eles tinham problemas. Mas claro que eu estava errada. A verdade é que eles só estavam me respeitando – foi o que aprenderam a fazer desde criança.
E durante o verão, quando o termômetro batia nos 21 graus (para eles, um baita calorzão), as meninas iam trabalhar de sainha curta, daquelas que dava quase para ver a dobrinha do bumbum. Eu ficava nervosa só de ver elas desfilando pelo corredor da agência, por entre o mar de homens que era o departamento de criação. Meu lado materno nordestino queria jogar um cobertor em cima delas, para prevenir que algum homem as assediasse.
Eu não conseguia não julgá-las. De putas, de vadias, de fácies. Do mesmo jeito que meus colegas de classe em Fortaleza julgavam as meninas que usavam roupa curta no colégio.
Era muito difícil acreditar que elas podiam usar o que quisessem e ninguém iria tocá-las. No ônibus, nas festas, no trabalho – elas não precisavam ter medo de mãos bobas ou comentários maldosos.
Só depois de 3 ou 4 anos na Inglaterra, foi que eu me liguei: a pessoa errada ali era eu.
Aceitar que a minha criação não foi ideal foi um processo longo e doloroso. Demorou muito para entender que algumas coisas que os meus pais e a minha escola me ensinaram não eram corretas.
Também não é fácil entender que a culpa também não foi deles. No Nordeste, e em todo o Brasil, as pessoas vem sendo expostas a esse tipo de comportamento misógino há várias gerações. Só agora o país vive uma transformação por conta da internet e dos movimentos feministas.
Levou um tempo para matar o machismo que a minha própria cultura plantou dentro de mim.
Mas a boa notícia é que feminismo pode ser aprendido.
Eu casei com um inglês. E hoje em dia uso sainha, decote e o que quiser pra ir ao trabalho.