Há algumas semanas fui convidada, pelo Infame, a escrever sobre os desafios ainda enfrentados pelas mulheres no mercado de trabalho. De bate-pronto aceitei, mas fui pega de surpresa por uma imensa resistência interna ao sentar para colocar o tema em palavras. Conversei com homens e mulheres sobre o assunto, esbocei frases, listei todas as situações em que eu me vi ou testemunhei colegas mulheres em situações profissionais desfavoráveis. E continuei olhando uma página em branco.
Fui obrigada a abraçar as razões da minha resistência. Algumas delas, mais óbvias, foram boas desculpas para minha procrastinação inicial. Eu me lembrava de todos os clichês em torno da discussão sobre o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal que não queria repetir. Dos debates em torno da legislação trabalhista. Das defesas exaustivas a favor da licença paternidade e outras iniciativas que promovam a igualdade de gênero. De todas as histórias difíceis que coletei. Nada parecia me inspirar.
A verdade é que minha dificuldade em escrever estava muito mais ligada a sombras internas do que ao desafio de encontrar um bom recorte do assunto. E, então, resolvi listar aquilo que me doía tanto enquanto eu tentava levantar algum ponto de vista sobre o tema.
Falar sobre os desafios enfrentados pelas mulheres como profissionais é chamar atenção para a vulnerabilidade que tentamos esconder de nós mesmas.
Assisti outro dia a um TED da Sheryl Sandberg, COO do Facebook, em que ela contava sobre o quanto foi desencorajada a falar publicamente sobre a ausência de mulheres em cargos de alta liderança. “Você não pode ser uma executiva séria e falar sobre ser mulher”, diziam a ela. O discurso dela fez com que eu me desse conta de que o ambiente profissional pode ser um dos mais opressores para discutir questões de gênero. É quase como se quanto menos as pessoas se lembrarem de que você é mulher, melhor para sua carreira.
Quanto já lamentei (e ainda lamento) por não ter uma voz mais grossa, traços menos delicados e, na falta deles, ao menos cabelos mais brancos (ainda tenho a esperança que a experiência torne o fato de ser mulher menos relevante). Em resumo, boa parte da resistência que enfrentei ao escrever esse texto, também estava relacionada ao fato de que, muitas vezes, eu gostaria que meu gênero pudesse passar despercebido no dia a dia profissional.
Uma cultura profissional muito masculina não é tão facilmente detectável. Mas ela pode ser uma grande armadilha para nossa autoestima.
Estar em um ambiente repleto de mulheres não significa estar trabalhando em uma cultura com um mindset menos masculino. Uma liderança absolutamente orientada a resultados e com pouca sensibilidade para ouvir as pessoas tende a incentivar comportamentos mais agressivos, independentemente do gênero predominante no time.
Eu já vi colegas trabalhando em equipes de maioria feminina e que quase não reconheciam mais a si mesmas na personagem profissional que haviam criado. Compartilhei com muitas mulheres (e recentemente com alguns homens também, ufa!) a vergonha de expressar sensibilidade no ambiente de trabalho. Fui cobrada para olhar para o meu time como um simples recurso e tive a certeza de que nunca seria uma boa gestora, afinal, nunca conseguiria deixar de me envolver com as pessoas com quem compartilhava doze horas do meu dia. E sigo me perguntando: como ainda não superamos esse tipo de cultura? Como ainda não ficou claro que esse modelo de liderança está completamente fora de moda e que o mais falta aos ambientes corporativos é sensibilidade?
O sucesso profissional também depende da nossa capacidade de construir bons relacionamentos. E ser mulher muitas vezes será uma grande desvantagem.
Outro dia ouvi um palestrante falando sobre a importância de soft skills para estabelecer diálogos e vínculos com colegas e clientes no ambiente de negócios. Não é novidade para ninguém que, além da qualidade do nosso trabalho, relacionamentos pessoais ainda têm um peso enorme na abertura de algumas portas no mercado. E, ainda que já tenhamos avançado um bocado na participação de mulheres nos mais diversos segmentos, há contextos em que será muito difícil competir com a capacidade que um homem tem de estabelecer relações mais intensas e próximas com seus iguais.
Há alguns meses, uma colega de profissão e empreendedora foi convidada a participar de um processo de concorrência para atender uma empresa do setor varejista, gestão familiar e cultura extremamente tradicional. Na primeira reunião ela percebeu que sua empresa, liderada por três sócias mulheres, dificilmente ganharia o projeto. Por fim, elas foram escolhidas, mas não sem contar com um parceiro homem que estivesse presente nas reuniões com a alta liderança do cliente.
Vamos lembrar que vivemos em uma cultura em que, até outro dia, era comum cultivar relações com parceiros de negócios oferecendo agrados como visitas a prostíbulos ou jantares com acompanhantes. Ainda que a presença de mulheres nas mesas de negociação tenha mudado parcialmente essa dinâmica, ainda existe uma rede informal de relacionamentos entre homens a qual não temos pleno acesso.
Sim, é verdade que, talvez possamos estabelecer relações mais relevantes com outras mulheres. Eu mesma, quando olho para minha vida profissional, percebo uma conexão clara e muito mais significativa com colegas e clientes mulheres. Mas isso não nos tira da posição de desvantagem enquanto ainda existir uma maioria masculina em cargos de liderança e com real poder de decisão.
Como mulheres, precisamos cuidar, todos os dias, para não usar, quando nos convém, a desigualdade de gênero a nosso favor.
Não posso deixar de mencionar o motivo que mais me trouxe incômodo interno ao escrever esse texto. Olho para minha história e vejo que algumas vezes escolhi entrar em disputa com outras mulheres. Claro que uma dinâmica de competição pode, sim, ser saudável. Lembro-me da minha época de atleta de nado sincronizado, em que, ainda pré-adolescente, descobri o quanto era rico e estimulante nadar no mesmo ritmo de minhas colegas. Bastava uma acelerar e todas as outras também se desafiavam.
Mas o ambiente corporativo pode dar vida a aspectos nada nobres dentro de nós. E uma coisa é certa: como mulheres, nos veremos em desvantagem em diversas situações ao longo da nossa jornada. Eventualmente seremos mães e não conseguiremos nadar na mesma velocidade que nossos colegas. Em algum momento disputaremos um cliente tradicional com concorrentes formados por um time masculino. Por vezes, perderemos uma cadeira de liderança para um par que jogará futebol com quem tem poder de decisão.
Então, acima de tudo, precisamos cultivar a sororidade nas dinâmicas de trabalho. Precisamos ser o equilíbrio que falta numa cultura corporativa que não foi criada por nós. Precisamos ser agentes de transformação. Juntas, precisamos abrir novos caminhos.