Desregulada e radical por natureza, a poesia é uma expressão urgente de liberdade
Nota: Em setembro de 2016, comecei uma bolsa no Instituto Radcliffe de Estudos Avançados da Universidade de Harvard, uma oportunidade de passar nove meses em Cambridge, Massachusetts, como parte de um grupo de 50 estudiosos, cientistas e artistas enquanto trabalhava no meu novo livro de poemas. Em maio de 2017, perto do final da minha bolsa, li alguns dos meus novos trabalhos à comunidade Radcliffe; O que se segue é a breve palestra que dei para apresentar minha leitura.
Minha conversa é inspirada pelos companheiros de Radcliffe, muitos dos quais expressaram a mim, a poetisa solitária do bando, que desejavam entender melhor a poesia, seu significado e até mesmo o seu propósito. Lembro-me de estar no gramado em Radcliffe Yard em um dia ensolarado de setembro, e uma dessas 50 pessoas fascinantes que acabara de conhecer, esperando atrás de mim na fila do churrasco, perguntou “Como você sabe se um poema é bom?” Eu não acho que tenha dado uma resposta muito coerente, se é que respondi, mas o que eu gostaria de ter dito foi: “Não sei, não é maravilhoso?” Porque a primeira coisa que eu quero dizer sobre poesia é que um poema é um espaço totalmente livre para a linguagem; nenhum critério objetivo e definitivo se aplica para avaliá-la. Na verdade, a poesia é o único espaço totalmente livre que conheço para a linguagem, e é isso que o torna indispensável, e também o que o faz da escrita e da leitura, um ato político: qualquer ato em que a liberdade esteja em debate é um ato político, e qualquer espaço que nos faça conscientes de nossa liberdade inata é um espaço radicalmente político.
Quando eu pensei pela primeira vez no que eu queria dizer sobre poesia para potenciais leitores que ainda não a tinham encontrado, meu impulso era escrever um manifesto ou até mesmo uma reclamação. Mas então eu pensei que talvez já existisse reclamação demais hoje em dia. Talvez a reclamação esteja tão desvalorizada hoje, tal qual uma moeda, que outro modo será mais útil e melhor compreendido. Então, eu decidi fazer algumas perguntas, qual é o dever mais importante da poesia no final das contas: fazer você ouvir e pensar. Quem realmente escuta uma pessoa que grita? Quem pensa quando mandado?
Ambas as fases deste processo de duas etapas, a escuta e o pensar são importantes. A escuta te dá prazer e o pensar te pede para trabalhar – mas é um trabalho alegre. Espero que as próximas perguntas, como um poema, sejam eficazes para que a mente participe do significado do que eu quero dizer aqui. Porque outra coisa que eu acredito, no que diz respeito a poemas é que eles, mais do que qualquer outro tipo de texto, convidam ou até exigem que os leitores se aproximem e se tornem participantes ativos na alegre tarefa de fazer sentido, outra razão pela qual ler ou escrever poesia é um ato político. Uma vez que você fica íntimo da língua, assim como de uma pessoa, você percebe como o significado é infinitamente complexo e a língua infinitamente flexível. E você pode vir a querer mais dessas coisas, de significado complexo e língua flexível, no discurso público.
Antes de chegar às perguntas, gostaria de salientar que a poesia parece chamar a atenção da cultura mainstream em dois momentos.
Primeiro, anualmente, o New York Times ou The Atlantic ou algum outro meio de comunicação com prestígio cultural apresenta um artigo com um título tipo “A poesia importa?” Ou “A poesia pode ser importante?” Ou “Por que a poesia não importa mais?” Como se algum editor tivesse decidido que era a hora de eliminar o potencial da poesia de desapontar, como uma adolescente amedrontada decepcionada por adultos, simplesmente porque eles deram forma a sua consciência. Importa bastante e está por aí há muito tempo.
Em segundo lugar, em tempos de trauma ou crise pública, como o nosso trauma atual ou como as consequências do 11 de setembro, o New York Times ou The Atlantic ou algum outro meio de comunicação com prestígio cultural apresenta um artigo com uma manchete forte como “os americanos se voltam para Poesia em tempos de crise “. Como se fosse nos impedir de entrar em pânico, é hora de soltar os poemas junto com os Ativans vencidos que estavam na gaveta da mesa de cabeceira.
Ambos os tipos de artigos diminuem o valor da poesia, limitando o seu momento a um passado distante, quando a poesia atendia às expectativas ou fazia o papel da manta de segurança a ser descartada assim que a crise pública passasse e a vida voltasse ao “normal”. Se minhas perguntas assumirem um tom polêmico ou de reclamação, é uma resposta para esse desdém do mainstream. Afinal, o New York Times nunca pergunta “O futebol importa?” Ou “Os restaurantes são importantes?” Ou “A televisão importa?”
Então, vamos as minhas perguntas:
Quantas pessoas têm que ler um poema para que ele valha a pena ser escrito?
As pessoas têm que estar vivas no momento em que o poema foi escrito?
Será que importa que o Super Bowl sempre terá mais fãs do que qualquer poema que eu escreva?
Se você acha que importa, você aplica esse modelo de valor capitalista a tudo em sua vida?
Quão empobrecido sua vida seria se você o aplicasse?
A poesia seria mais valorizada se custasse mais e ocupasse mais espaço?
E se a poesia fosse um reality show: um site de confusão, ambivalência, complexidade, incerteza e grandes e minúsculos sentimentos?
E se, em um mundo de especialização crescente, o poeta é um grande generalista, cuja “área” não é nada menos inclusiva do que a sensação de ser humano?
Poderia a poesia ter começado como o canto de sons de vogais em torno de uma fogueira, ou de mães para bebês?
O que é mais importante, sua mãe cantando para você ou sua mãe dizendo-lhe para comer suas beterrabas?
Quem veio primeiro?
O que é mais fundamental para você? O que o torna humano?
A poesia que eu amo faz parte da música. Você pode pensar na poesia como uma canção com ênfase extraforte nas palavras. Se você gosta de música e gosta de linguagem, você é o público-alvo.
Se a sociedade não valoriza a poesia, a arte mais essencial (eu sou suspeita) porque é feita exclusivamente a partir da própria linguagem que nos torna humanos, é culpa da poesia ou da sociedade?
Temos outra prova de que é culpa da sociedade?
Será possível que tudo que pode ser feito está sendo feito para anestesiá-lo do sofrimento essencial e infinitamente sútil e da alegria de estar vivo?
É possível que a poesia possa despertar sua consciência sem lhe dizer exatamente como?
Temos mesmo que discutir a dificuldade?
A dificuldade é algo para se discutir ou algo para se experimentar?
Ou ambos?
A sua vida tem sido sem dificuldade? Você conhece a dificuldade? Os poemas também conhecem a dificuldade.
Por que um poema não deve criar um espaço para a linguagem da dificuldade?
Parafraseando a poeta Catherine Wagner, você gosta de entender tanto que quer que isso aconteça mais e mais?
Será que não entender ou ponderar é mais honesto e ainda menos violento do que saber? Se você não consegue chegar a esse ponto, é possível pelo menos de vez em quando?
Será que algo pode ser difícil e também um prazer?
A poesia pode ser uma maneira agradável de fazer amizade com a infinita complexidade da existência?
Será que parte da dificuldade da poesia é porque os poemas são feitos de algo do qual dependemos desde a infância para comunicar nossas necessidades básicas?
Será que é meio desconcertante encontrar uma linguagem que não tenha tanto interesse na troca de informações?
Será que é bom o fato da linguagem poder ser usada para comunicar necessidades e informações físicas e emocionais básicas e também para criar objetos artesanais (ou seja, poemas)? A água que você bebe, a água em que você mergulhe, a água se pulveriza fora de uma fonte ornamental.
Você pode desfrutar de uma forma de arte que usa linguagem como tinta em uma tela?
Você pode desfrutar de uma forma de arte que usa linguagem como notas em uma partitura?
Você pode desfrutar de uma forma de arte que usa a linguagem para criar uma moldura para uma imagem que nunca é exibida no museu?
Seria legal usar a linguagem para dar prazer?
Esse prazer poderia ser um ato de resistência? Resistência contra a degradação da linguagem?
Você está começando a querer algumas respostas?
Aqui está uma resposta possível: a poesia abre espaços para linguagem que ecoam por séculos. Poesia é a corrente fresca que alimenta o lago da linguagem. Outras correntes também se derramam no lago, com águas não tão frescas e vivas; na verdade, algumas das outras correntes são sem graça, tóxicas ou falsas. Poesia reabastece e restaura o lago da linguagem. Você precisa de água fresca somente em condições de seca ou você precisa disso o tempo todo? Mesmo que você não beba diretamente da fonte da poesia, você bebe do lago da linguagem que a fonte alimentou e adoçou. Mesmo que você não leia poesia, asseguro-lhe que a poesia está lhe sussurrando. E talvez ela esteja esperando por você.
—
Confira o link para o artigo original aqui.