Infame

Como um Seriado de TV Desencadeou a Queda da Civilização Ocidental: Lembram do Ross do Friends?

"Então como mantemos a sanidade em um mundo burro? Eu não seria um bom professor se eu não viesse preparado com algumas ideias".

Por David Hopkins |  13 de junho de 2017

Eu quero discutir um popular programa de TV, que eu e minha esposa temos assistido sem parar no Netflix. É a história de um homem de família, um homem da ciência, um gênio que se misturou com as pessoas erradas. Ele, aos poucos, cai no desespero e na loucura, por conta do seu egoísmo. Após uma sequência de percalços, ele vira um monstro. Claro que estou falando de “Friends” e seu trágico herói, Ross Geller.

Você pode até achar que seja uma comédia, mas eu não consigo rir como você. Para mim, “Friends” demonstra uma aceitação do anti-intelectualismo nos Estados Unidos, onde um homem talentoso e inteligente é perseguido por seus compatriotas idiotas. Mesmo que você concorde comigo, não importa. As constantes gargalhadas da plateia no estúdio, nos lembram que nossas reações são desnecessárias e redundantes.

O tema de abertura por si só, é cheio de agouro, dizendo que a vida é uma enganação, o sonho de uma carreira é risível, a pobreza é iminente, e claro, sua vida amorosa foi encontrada morta. Mas você sempre terá a companhia de idiotas. Eles sempre estarão ao seu lado.

Eu me sinto bem melhor agora.

Talvez eu deva explicar para os marinheiros de primeira viagem. Se você se lembra dos anos 90 e do início dos anos 2000, e morava perto de um aparelho de televisão, você se lembra de “Friends”. “Friends” era o evento imperdível no horário nobre de quinta-feira à noite, que exibia o elenco mais admirável já contratado: todos jovens, todos classe média, todos brancos, todos héteros, todos bonitos (mas acessíveis), todos politicamente e moralmente amenos, e todos equipados com personalidades compreensíveis. Joey é o bobo da corte. Chandler é o sarcástico. Monica é a obsessiva-compulsiva. Phoebe é a hippie. Rachel, sei lá… gosta de fazer compras. E por último, Ross. Ross era o romântico intelectual.

No final das contas, o público de “Friends” — mais ou menos 52.5 milhões de pessoas — se virou contra Ross. Mas os personagens do programa eram contra ele desde o princípio (considere o episódio 1, quando Joey diz para Ross: “Quando ele me dá oi, eu quero me matar. ”) Na verdade, sempre que o Ross menciona seus interesses, suas pesquisas, ideias, ou quando ele está falando, um dos seus “friends” murmurava e comentava como Ross era um tédio, que era uma idiotice ser inteligente, e que ninguém ligava para isso. Era a deixa para a risada da plateia no estúdio. Essa piada se estendeu por todos os episódios durante 10 temporadas. Da para culpar o Ross por enlouquecer?

E como em uma tragédia grega, o nosso herói está preso em uma profecia que não é possível evitar. Os produtores do programa, parecidos com a voz imutável dos deuses, declararam que Ross teria que terminar junto com Rachel, aquela que gosta de fazer compras.

Por que tal simpatia por Ross?

O programa terminou em 2004. O mesmo ano em que o Facebook começou, ano que George W. Bush foi reeleito para um segundo mandato, ano que reality shows se tornaram uma força poderosa da cultura pop, com American Idol iniciando um reinado de oito anos de terror como líder de audiência nos EUA, o mesmo ano em que Paris Hilton começou sua “marca de estilo de vida” e lançou uma autobiografia. E Joey Tribbiani ganhou seu próprio programa de televisão. 2004 foi o ano em que desistimos e abraçamos a estupidez como um valor. Pergunte para o Green Day; seu álbum American Idiot foi lançado em 2004, e ganhou o Grammy por Melhor Álbum de Rock. Não dava para ser mais oportuno. A rejeição por Ross marcou o momento quando a maior parte dos Estados Unidos resmungavam, no meio do diálogo, ao ouvir a voz da razão.

Sim, a minha teoria é que “Friends” pode ter desencadeado a queda da civilização ocidental. Você pode até achar que eu sou louco. Mas nas palavras do próprio Ross: “Será? Será? Será que estou louco? Estou perdendo a cabeça? ” Você sabia que a música que tocou no episódio piloto de “Friends” era “It’s the End of the World as We Know (And I Feel Fine) ” do R.E.M.? Uma música alegre com uma mensagem apocalíptica, largamente ignorada.

Eu era um professor em 2004. Eu era o técnico do clube de xadrez da escola. Eu via como meus alunos sofriam com bullying. Eu tentava defendê-los, mas não podia estar em todos os lugares. Meus alunos eram inteligentes, um bando de nerds em território hostil e inóspito. Outros alunos esperavam do lado de fora do meu escritório para emboscar aqueles que se encontravam todo dia para almoçar. Durante a minha época como professor, eu era conhecido como matador de valentões e defensor dos nerds. Eu prometo a vocês: os valentões podiam ser cruéis, mas eles sabiam que o senhor Hopkins era pior.

Talvez os intelectuais eram sempre perseguidos e trancados em armários, mas algo me diz que vivemos em um período ruim — onde as mídias sociais substituíram o debate genuíno e o discurso político, onde a avaliação dos políticos é feita de acordo com a nossa vontade de tomar uma cervejinha com eles, onde o consenso científico é rejeitado, onde a pesquisa científica não tem fundos suficientes, onde o jornalismo está se afogando em fofoca.

Eu vejo a bunda da Kim Kardashian na manchete da CNN.com e me assusto.

Talvez seja só diversão inofensiva. Como a risada das plateias de estúdio? Talvez. Mas me preocupa não termos feito o suficiente para cultivar a curiosidade cultural dentro da nossa cultura.

Felizmente, há uma resistência se formando. Pessoas de coragem, que não têm medo de começar uma frase com “Você sabia que…? ” Esses não são os Rosses do mundo. Eu os via no meu clube de xadrez. E eu os vejo na minha cidade, se escondendo no museu de arte, se agachando em sebos, trocando olhares de soslaio em bibliotecas públicas e cafés, e circulando nas nossas escolas, faculdades, e universidades.

Não havia esperança para Ross. Ele enlouqueceu, e sim, ele ficou um saco.

Então como mantemos a sanidade em um mundo burro? Eu não seria um bom professor se eu não viesse preparado com algumas ideias.

Número 1: leia a porra de um livro. Algo especial acontece quando você se desliga das distrações da cultura moderna e mergulha em uma história. Você se abre para novas ideias, novas experiências, novas perspectivas. É um experimento de paciência e consciência. A New School for Social Research em Nova Iorque provou que ler melhora a empatia. É verdade. Ler faz você ser menos babaca. Então leia frequentemente. Leia livros difíceis. Leia livros polêmicos. Leia um livro que te faça chorar. Leia algo divertido. Mas leia.

Número 2: aprenda algo. Seu cérebro é capaz de tanta coisa. Alimente-o. Aprenda algo novo. A maior ameaça ao progresso é a crença que algo seja complexo demais para ser consertado. A pobreza é permanente. Racismo sempre existirá. O conflito entre a Palestina e Israel é difícil demais para se entender. O sistema público de educação está quebrado. Eduque-se, para que você possa fazer parte da conversa. Aprenda algo científico, aprenda algo matemático. Explore a filosofia. Estude paleontologia. Tente aprender uma língua nova. A fluência não precisa ser seu objetivo, mas adicione mais algumas palavras à sua cabeça. Ouça um podcast educacional. Professores de universidades — tais quais Harvard, Yale, Columbia, Stanford — oferecem suas palestras online de graça. Pense no que você poderia aprender. Um dos meus maiores desafios como professor, foi convencer alunos de que eles eram inteligentes, mesmo depois de alguém dizer a eles que eram burros.

Número 3: pare de comprar tanta porcaria. Pode até parecer que não tem nada a ver, mas eu tenho certeza que a cultura consumidora e a cultura imbecil estão intimamente ligadas. Simplifique sua vida. A imbecilidade domina nossa paisagem cultural porque se vende muito tênis Nike e Big Macs. Quando pensamos com cuidado o que queremos trazer para dentro do nosso lar, menor a chance de sermos manipulados por impulsos vazios.

E finalmente: proteja os nerds. Um programador de Seattle está fazendo mais para diminuir a pobreza, a fome e as doenças através da Fundação Bill & Melinda Gates do que qualquer pessoa nos Estados Unidos hoje em dia. Nerds criam vacinas. Nerds constroem pontes e estradas. Nerds se tornam professores e bibliotecários. Nós precisamos dessas pessoas insuportavelmente inteligentes, porque eles fazem do mundo um lugar melhor. Não podemos deixá-los se acovardar perante uma sociedade que faz caretas a cada palavra que eles dizem. Ross precisa de amigos melhores.

David Hopkins

David Hopkins

David Hopkins é escritor de quadrinhos e ensaísta nos Estados Unidos. Confira aqui mais detalhes sobre o seu trabalho.